O Código Penal atual, em sua redação original, previa no art. 240 o chamado crime de adultério, cominando uma pena de detenção de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses para quem traísse o cônjuge, pena essa que também era aplicada ao amante, desde que ele soubesse da condição de casado do outro, é claro.
Ocorre que a Lei nº 11.106/2005 revogou o artigo acima e, desde então, o adultério deixou de ser crime no Brasil. Contudo, nem por isso o adultério ficará totalmente impune. É que, por mais que não seja mais crime, o adultério continua sendo um ilícito civil e pode gerar consequências graves, pois o Código Civil prevê, em seu art. 1.566, inciso I, o dever de fidelidade recíproca entre os cônjuges. Entenda mais.
BENS DO CASAL
O adultério gera sérias consequências na área cível, mas a perda dos bens do casal não é uma delas. Isso porque, por mais imoral e grave que seja o adultério, pela nossa legislação o cônjuge adúltero não perderá sua parte na meação de bens quando ocorrer o divórcio. Terá direito à mesma parte do patrimônio que teria se não tivesse traído.
GUARDA DOS FILHOS
A princípio, o adultério também não interfere na guarda dos filhos do casal e tampouco no direito de visitação. Contudo, em situações excepcionalíssimas, em que o adultério produza infâmia e desonra que ultrapassem a relação entre o casal e possam atingir até mesmo os filhos, é possível sim haver limitação no direito de guarda por esse motivo. Imaginemos um cenário, por exemplo, em que o cônjuge adúltero pratica os atos na cama e no quarto do casal, ao lado do quarto dos filhos, que acabam ouvindo as obscenidades. Isso configura ato atentatório à moral e aos bons costumes e, a teor dos arts. 1.637 e 1.638 do Código Civil, pode gerar a perda da guarda:
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.
Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que:
I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar:
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;
b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão;
II – praticar contra filho, filha ou outro descendente:
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;
b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.
Código Civil
PENSÃO ALIMENTÍCIA
A traição também pode afetar o direito de receber pensão alimentícia. Contudo, primeiramente é importante diferenciarmos a pensão para os filhos da pensão para o ex-cônjuge. Quando um casal se divorcia com filhos, os menores firmarão residência no lar de um dos ex-cônjuges, sendo que o outro ex-cônjuge pagará pensão alimentícia em benefício dos filhos, para ajudar com o sustento de sua alimentação, saúde, vestuário e demais despesas básicas. Ocorre que, além da pensão a ser paga para os filhos, é possível, se o outro cônjuge nunca trabalhou na vida e não tem condições de ingressar no mercado de trabalho, que seja fixada uma pensão alimentícia para essa pessoa, por um certo prazo, até essa pessoa conseguir se estabelecer na vida.
Pois bem. Imaginemos um cenário em que Matias seja casado com Roberta e que ela decida pedir o divórcio. A separação ocorre e Roberta pede para si, na Justiça, pensão alimentícia a ser paga por Matias pelo prazo de 2 (dois) anos, pois Roberta nunca trabalhou na vida e somente se dedicou ao lar. Contudo, Matias descobre que Roberta lhe traía. Assim sendo, Matias comprova a traição no processo e, com base no art. 1.708 do Código Civil, fica livre de pagar pensão alimentícia para Roberta, pois ela praticou ato indigno contra ele:
Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos.
Parágrafo único. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor.
Código Civil
INDENIZAÇÃO POR TRAIÇÃO
Ainda, a traição também pode gerar o dever de indenizar, pois consiste em dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, consistindo em ato ilícito, na forma dos arts. 186 e 927 do Código Civil:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Código Civil
MULTA POR TRAIÇÃO
A mídia noticiou recentemente que um casal decidiu estabelecer em pacto antenupcial uma multa de R$ 180 mil em caso de traição. Esse tipo de multa é plenamente possível no Direito brasileiro, pois o dever de não trair, como vimos, decorre do dever de fidelidade recíproca entre os cônjuges, previsto no art. 1.566, inciso I, do Código Civil. Na realidade, o dever de não trair trata-se de uma obrigação de não fazer, cujo regramento está, também, no Capítulo III, do Título I, do Livro I, da Parte Especial do Código Civil.
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