Ação penal

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1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

1.1. CONCEITO

Ação penal é “o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. É também o direito público subjetivo do Estado-Administração, único titular do poder-dever de punir, de pleitear ao Estado-Juiz a aplicação do Direito Penal objetivo, com a consequente satisfação da pretensão punitiva” (CAPEZ, 2020, p. 696).

1.2. ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL

1.2.1. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA

Em regra, a ação penal é pública incondicionada, ou seja, a menos que a lei discipline de maneira diversa, o crime será de ação penal pública incondicionada.

Isso significa que o poder para provocar o Estado-Juiz (Poder Judiciário) é do próprio Estado-Acusador (Ministério Público), daí porque a chamamos de pública, e também que tal poder será exercido independentemente de condições, tais como a representação da vítima ou de seu representante legal (se ela quer ou não representar contra o autor do crime) ou a requisição do Ministro da Justiça, daí porque a chamamos de incondicionada.

PRINCÍPIOS

i) obrigatoriedade ou legalidade (CPP, art. 24): identificada a hipótese de atuação, não pode o Ministério Público recusar a dar início à ação penal, diante do sistema da legalidade (ou da obrigatoriedade), sistema esse que não dá ao MP a possibilidade de deixar de propor a ação penal com base em critérios de “oportunidade e conveniência”.

ii) indisponibilidade (CPP, arts. 42 e 576): oferecida a ação penal, o Ministério Público não pode dela desistir, mas apenas, no máximo, opinar pela absolvição em alegações finais, por exemplo.

iii) oficialidade: os órgãos encarregados da persecução penal são oficiais, ou seja, são órgãos públicos, pois o controle da criminalidade é função típica do Estado.

  • Detetive particular, coleta de dados de natureza não criminal e Lei nº 13.432/2017

iv) autoritariedade: são autoridades públicas os encarregados da persecução penal extra e in judicio (respectivamente, autoridade policial e membro do Ministério Público).

v) oficiosidade: os encarregados da persecução penal devem agir de ofício, independentemente de provocação.

vi) indivisibilidade: a ação penal pública deve abranger todos aqueles que cometeram a infração, não podendo o Ministério Público escolher quais serão processados.

vii) intranscendência: a ação penal só pode ser proposta contra a pessoa a quem se imputa a prática do delito.

1.2.2. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA

Quando a lei assim dispuser, a ação penal pública para determinados crimes será condicionada, ou seja, embora ainda incumba ao Estado-Acusador provocar a atuação do Estado-Juiz, nesse caso aquele somente poderá fazê-lo caso esteja presente uma condição, que pode ser a representação da vítima, de seu representante legal ou do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão (CCADI) ou a requisição do Ministro da Justiça, a depender do tipo de crime.

AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO

Nos casos de ação penal pública condicionada à representação, o Ministério Público, titular dessa ação, só pode a ela dar início se a vítima ou seu representante legal o autorizarem, por meio de uma manifestação de vontade. Sem a permissão da vítima, nem sequer poderá ser instaurado o inquérito policial (CPP, art. 5º, § 4º).

Contudo, uma vez oferecida a denúncia, o Ministério Público assume a ação penal incondicionalmente, passando essa a ser regida pelo princípio da indisponibilidade do processo, sendo irrelevante qualquer tentativa de retratação.

Natureza jurídica da representação: é condição de procedibilidade da ação penal.

Conceito de representação: “é a manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal no sentido de autorizar o desencadeamento da persecução penal em juízo” (CAPEZ, 2020, p. 708).

Titular do direito de representação: é a vítima ou seu representante legal (se menor de 18 anos ou for mentalmente enfermo) e, na ausência de representante legal, o juiz nomeará curador especial para avaliar a necessidade de representação. Se a vítima faleceu, poderão oferecer a representação seu companheiro, cônjuge, ascendente, descendente e irmão (CCADI).

Prazo de representação: o prazo decadencial é de 6 (seis) meses a contar da data da ciência da autoria (CP, art. 29), sendo prazo de direito material (inclui o dia do início e exclui o dia do fim). O prazo não corre para o incapaz (menor de 18 anos ou enfermo mental) até que cesse a sua incapacidade, mas correrá para o representante legal desde que ele saiba quem é o autor do ilícito penal. Isso também vale para o caso da vítima que faleceu, ou seja, o prazo começará a correr para o CCADI a partir do momento em que tomarem ciência da autoria delitiva.

Forma da representação: não exige forma especial.

Destinatário da representação: pode ser dirigida ao juiz, ao representante do Ministério Público ou à autoridade policial.

Irretratabilidade da representação: a representação é irretratável após o oferecimento da denúncia (CPP, art. 25 e CP, art. 102). Antes do oferecimento da denúncia, só poderá retratar-se da representação a mesma pessoa que a apresentou. Parte da jurisprudência admite a retratação da retratação, ou seja, a desistência da retratação da representação.

Não vinculação da representação: a representação não obriga o Ministério Público a oferecer a denúncia, diante do princípio da independência funcional.

Exemplos de infrações penais cuja ação depende de representação da vítima ou de seu representante legal:

  • a) lesão corporal leve ou culposa, desde que fora em contexto da Lei Maria da Penha (CP, art. 129, caput e § 6º, c/c o art. 88 da Lei nº 9.099/1995);
  • b) perigo de contágio venéreo (CP, art. 130, § 2º);
  • c) injúria racial (CP, art. 140, § 3º, c/c o art. 145, parágrafo único);
  • d) ameaça (CP, art. 147);
  • e) vias de fato (LCP, art. 21).

E O CRIME DE ESTUPRO, AINDA QUE CONTRA PESSOA ADULTA? Antes da vigência da Lei nº 13.718/2018, o crime de estupro contra pessoa adulta e não vulnerável era de ação penal pública condicionada à representação. Contudo, a partir da vigência da referida lei, o crime de estupro, ainda que nessas condições, é de ação penal pública incondicionada.

AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA

Nos casos de ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça, o Ministério Público, titular dessa ação, só pode a ela dar início se o Ministro da Justiça assim o requerer.

Hipóteses:

  • i) crime cometido por estrangeiro contra brasileiro, fora do Brasil (CP, art. 7º, § 3º, “b”);
  • ii) crimes contra a honra do Presidente da República (CP, art. 141, I, c/c art. 145, parágrafo único);
  • iii) crimes contra a honra de chefe de governo estrangeiro (CP, art. 141, I, c/c art. 145, parágrafo único).

Prazo para oferecer a requisição: a qualquer tempo, enquanto não estiver extinta a punibilidade do agente;

Destinatário da requisição: é o Ministério Público.

Retratação da requisição: a requisição é irretratável.

Vinculação da requisição: a requisição não obriga o Ministério Público.

1.2.3. AÇÃO PENAL PRIVADA

Conceito: ação penal privada é aquela em que o Estado, titular exclusivo do direito de punir, transfere a legitimidade para propor a ação penal à vítima ou a seu representante legal.

O direito de punir permanece sendo do Estado, havendo apenas a titularidade da ação penal, do Ministério Público para a vítima ou seu representante legal.

Partes: querelante (vítima) e querelado (réu).

Menor de 18, mentalmente enfermo ou retardado mental: se não tiver representante legal, o juiz poderá nomear curador especial (CPP, art. 33).

Morte do ofendido ou declaração de ausência: nesse caso, o direito de apresentar a queixa-crime e de dar prosseguimento àquela eventualmente já apresentada passa ao seu companheiro, cônjuge, ascendente, descendente e irmão (CCADI).

PRINCÍPIOS

i) oportunidade, conveniência ou discricionariedade: o ofendido tem a faculdade de propor ou não a ação de acordo com a sua vontade, de modo que, por exemplo, a autoridade policial, mesmo se notar flagrante delito, só pode prender o agente se houver expressa autorização do particular (CPP, art. 5, § 5º);

ii) disponibilidade: o ofendido pode prosseguir ou não com a ação até o final, ou seja, pode dispor dela até que haja trânsito em julgado, seja concedendo o perdão (CPP, art. 51), seja pela perempção, que aqui tem o sentido de “abandono de causa” (CPP, art. 60 e incisos);

iii) indivisibilidade: o ofendido pode escolher propor a ação ou não, mas se o fizer, tem que fazer contra todos os autores, não podendo escolher entre um e outro, o que se faz visando evitar a vingança privada;

iv) intranscendência: a ação penal privada só pode ser proposta contra o autor e o partícipe, não podendo se estender a outras pessoas.

ATENÇÃO: Art. 51.  O perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem que produza, todavia, efeito em relação ao que o recusar.

ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL PRIVADA

AÇÃO PENAL PRIVADA EXCLUSIVAMENTE PRIVADA OU PROPRIAMENTE DITA: é a que já estudamos, segundo as regras acima expostas.

AÇÃO PENAL PRIVADA PERSONALÍSSIMA: sua titularidade é atribuída única e exclusivamente ao ofendido, sendo o seu exercício vedado até mesmo ao seu representante legal, inexistindo, ainda, sucessão por morte ou ausência (não passa ao CCADI).

  • Hipótese: crime de induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento, previsto no Código Penal, no capítulo “Dos Crimes contra o Casamento”, art. 236, parágrafo único.

AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA: com previsão constitucional (CF/88, art. 5º, LIX) e no Código de Processo Penal (CPP, art. 29), é proposta nos crimes de ação pública, condicionada ou incondicionada, quando o Ministério Público deixar de fazê-lo no prazo legal (CPP, art. 46 – em regra, 5 dias para réu preso; 15 dias para réu solto). Só tem lugar no caso de inércia do Ministério Público, jamais em caso de arquivamento. Mesmo sendo uma ação penal proposta pela vítima, seu representante legal ou CCADI, por ser originariamente de natureza pública, o Ministério Público terá o poder-dever de intervir, sob pena de nulidade processual (CPP, art. 564, III, “d”).

  • Deve ser proposta no prazo de até 6 (seis) meses a contar do dia seguinte ao último dia que o MP teve para propor a ação. É prazo de direito material, ou seja, inclui o dia do início e exclui o dia do fim;
  • Uma vez oferecida a queixa-crime na ação penal privada subsidiária da pública, o Ministério Público poderá aditá-la, repudiá-la ou oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.
  • Não cabe o perdão por parte do querelante.

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: 24ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020 – versão digital.


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