INTRODUÇÃO
Como já foi visto, no estudo do fato típico, a conduta é um de seus elementos. Nesse contexto surge, também, a tipicidade, que é outro elemento e que consiste na relação entre o tipo (crime ou contravenção penal previstos em lei) e a conduta (ação ou omissão humana).
Tipicidade = relação entre tipo penal + conduta.
- CF/88, art. 5º, XXXIX
- CP, art. 1º
Tipo penal: é a descrição abstrata da conduta humana feita pormenorizadamente pela lei penal e correspondente a um fato criminoso.
ATENÇÃO: a generalidade deve ser evitada. O tipo penal deve ser descrito na lei de maneira específica e detalhada, delimitando, em termos precisos, o que o ordenamento jurídico entende por fato criminoso. Do contrário, se a lei previr descrições imprecisas, é possível ocorrer situações de insegurança jurídica.
Conduta: ação ou omissão humana que produz um resultado reprovável pelo Direito Penal, podendo esse resultado ser um crime ou uma contravenção penal.
COMPOSIÇÃO DO TIPO PENAL
Na essência, o tipo penal é composto dos seguintes elementos:
- ELEMENTOS OBJETIVOS: dizem respeito ao aspecto material do fato. Existem concretamente no mundo e só podem ser descritos pela norma. São eles, dentre outros:
- o objeto do crime (coisa alheia móvel, documento etc.);
- o lugar (invadir casa habitada etc.);
- o tempo ou ocasião (furto durante o período noturno etc.);
- os meios empregados ou o modo de execução (furto mediante arrombamento, escalada etc.);
- o núcleo do tipo, designado por um verbo (matar, ofender, constranger, subtrair, expor etc.);
- ELEMENTOS NORMATIVOS: seu significado não se extrai da mera observação do mundo natural, sendo imprescindível um juízo de valoração jurídica ou de valoração social, cultural, histórica, política, religiosa, bem como de qualquer outro campo do conhecimento humano. São eles:
- elementos normativos jurídicos: o significado é extraído da própria norma jurídica (ex.: posse de arma de fogo, pois o conceito de arma de fogo vem da lei);
- elementos normativos extrajurídicos: o significado é extraído de outros meios que não a norma jurídica, como, por exemplo, da sociedade, da cultura, da história, da religião, da política, etc. (ex.: prática de ato obsceno, que, dependendo do lugar, se no interior ou numa metrópole, pode ou não ser considerada crime);
- ELEMENTOS SUBJETIVOS: são os que pertencem ao campo psíquico-espiritual e ao mundo da representação do autor. São a verdadeira intenção do agente. Para aferir os elementos subjetivos, destaca-se o dolo da conduta para que, quando o agente a praticar com uma finalidade especial, seja punido de maneira específica.
- fim especial de agir: é a vontade especial de praticar o tipo penal. Quando se pratica um sequestro, isso por si só é crime, de nada importando a intenção daquele que faz (CP, art. 148). Contudo, quando se pratica extorsão mediante sequestro (sequestrar com o fim de obter resgate), além da mera vontade de sequestrar, a lei exige que o agente tenha a finalidade de obter uma vantagem como condição do preço ou resgate (CP, art. 159).
ESPÉCIES DE TIPO PENAL QUANTO À SUA COMPOSIÇÃO
i) tipo normal: só contém elementos objetivos (descritivos);
ii) tipo anormal: além dos elementos objetivos, contém também elementos subjetivos e normativos.
ESPÉCIES DE TIPO PENAL QUANTO À SUA LOCALIZAÇÃO NA LEI
i) tipo fundamental ou básico: fica localizado no caput do artigo de lei.
- EXEMPLO: CP, art. 121, caput.
ii) tipos derivados: ficam localizados a partir do tipo fundamental, mediante o destaque de circunstâncias que o agravam ou atenuam, geralmente se localizando nos parágrafos dos tipos incriminadores.
- EXEMPLOS: CP, art. 121, § 2º; CP, art. 155, § 1º
ESPÉCIES DE TIPO PENAL QUANTO À SUA NATUREZA
Existem basicamente duas espécies de tipos penais:
A) TIPOS PERMISSIVOS OU JUSTIFICADORES: são tipos penais que não descrevem fatos criminosos, mas hipóteses em que esses podem ser praticados. Por essa razão, são chamados de permissivos.
B) TIPOS INCRIMINADORES: são os tipos que descrevem as condutas proibidas. Todo fato enquadrável em tipo incriminador, em princípio, será ilícito, salvo se também se enquadrar em algum tipo permissivo.
EXEMPLOS:
O art. 150, caput, do Código Penal, estabelece o crime de violação de domicílio, consistente em “Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências”. Há aqui, portanto, um tipo penal incriminador, ou seja, um tipo penal que efetivamente proíbe uma conduta, chamando-a de crime e cominando-lhe pena.
- CP, art. 150, caput
Por outro lado, o art. 150, § 3º, I e II, do Código Penal, ainda tratando sobre a violação de domicílio, traz hipóteses em que tal violação não é considerada crime. Assim, de acordo com o Código, “Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências: I – durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência; II – a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser”. Essas hipóteses são, portanto, tipos penais permissivos.
- CP, art. 150, § 3º, I e II
CONCEITO DE TIPICIDADE
Tipicidade, classicamente, é a subsunção do fato à norma.
É a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal). Para que a conduta humana seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um tipo legal. Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida real e, de outro, o tipo legal de crime constante da lei penal. A tipicidade consiste na correspondência entre ambos (CAPEZ, Fernando, 2019, p. 262).
ADEQUAÇÃO TÍPICA
Para Fernando Capez, adequação típica é sinônimo de tipicidade. Assim, adequação típica é o enquadramento da conduta ao tipo legal. O autor destaca a existência de duas modalidades de adequação típica.
ADEQUAÇÃO TÍPICA DE SUBORDINAÇÃO IMEDIATA
Ocorre quando há perfeita correspondência entre a conduta e o tipo penal.
EXEMPLO: José, pretendendo matar João, desfere contra si 18 disparos de arma de fogo, na cabeça, concretizando o resultado pretendido. Nesse caso, houve perfeita correspondência entre a conduta e o resultado, pois José dolosamente matou João, conduta descrita pelo art. 121, caput, do Código Penal.
ADEQUAÇÃO TÍPICA DE SUBORDINAÇÃO MEDIATA
Ocorre quando não há perfeita correspondência entre a conduta e o tipo penal, sendo necessário recorrer-se a outras normas para fazer a ponte entre a conduta e o crime.
EXEMPLOS:
i) tentativa: quando “A” mira sua arma de fogo em “B”, atira, mas não acerta nenhum disparo, não foi produzido o resultado morte previsto no art. 121, caput, do Código Penal. Assim, para que “A” não fique impune, a lei penal criou a figura da tentativa, que nada mais é do que uma norma de extensão, por meio da qual resulta a adequação típica mediata ou indireta do fato tentado à norma que se pretenda violar.
- CP, art. 14, II.
ii) participação: quando “A” fornece arma de fogo municiada a “B” para que esse possa matar “C”, sabendo de sua intenção homicida, “A” está agindo como partícipe do crime de homicídio e responderá por ele, isso não porque está efetivamente matando alguém, mas sim em razão da extensão trazida pelo Código Penal.
- CP, art. 29, caput.
TIPICIDADE CONGLOBANTE
Conceito: Eugenio Raúl Zaffaroni
Um dos grandes expositores da teoria da tipicidade conglobante é Eugenio Raúl Zaffaroni. Resumidamente, para a tipicidade conglobante, o fato, para ser típico, deve ser típico tanto do ponto de vista formal, como, também, do ponto de vista material e, ainda, deve ostentar antinormatividade. Assim, pela tipicidade conglobante, o fato só é típico se: for formalmente típico, for materialmente típico e for antinormativo.
A tipicidade formal, como sabemos, resumidamente, consiste na subsunção do fato à norma. É verificar se o fato encaixa-se perfeitamente no tipo penal incriminador.
A tipicidade material, por outro lado, é verificar, para além disso, para além da mera tipicidade formal, se o fato também ofende o bem jurídico tutelado pela normal penal e, ainda se o ofende de maneira relevante. Disso decorre, por exemplo, o princípio da insignificância, segundo o qual o fato não será considerado típico (materialmente) se não ofender suficientemente o bem jurídico tutelado ao ponto de justificar a tutela penal. Como exemplo, o furto de coisa de valor insignificante, por mais que permita ao dono da coisa buscar indenização na esfera cível, não justifica a tutela do Estado na esfera do Direito Penal, pois tal furto não ofende o bem jurídico (patrimônio) de maneira relevantemente suficiente a justificar a incidência do Direito Penal.
Assim, temos, segundo a tipicidade conglobante, a seguinte abrangência da tipicidade:
i) tipicidade formal: subsunção do fato à norma;
ii) tipicidade material: efetiva e concreta lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado;
iii) antinormatividade: conduta não exigida ou fomentada pelo Estado.
Ainda, para a incidência do princípio da insignificância, a doutrina estabelece alguns requisitos, elementos objetivos e subjetivos. Em relação aos primeiros, sugere-se o seguinte mnemônico para memorização:
Elementos objetivos: MONPREGIL:
- MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA
- NENHUMA PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO
- REDUZIDÍSSIMO GRAU DE REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO
- ÍNFIMA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO.
Já em relação aos elementos subjetivos, são os seguintes: não reincidência, sobretudo específica.
REFERÊNCIAS
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: 24ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020 – versão digital.
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