Interpretação da lei penal

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CONCEITO

Interpretação da lei penal é a “atividade que consiste em extrair da norma penal seu exato alcance e real significado” (CAPEZ, 2020, p. 117).

NATUREZA

Segundo Fernando Capez, “a interpretação deve buscar a vontade da lei, desconsiderando a de quem a fez. A lei terminada independe de seu passado, importando apenas o que está contido em seus preceitos” (CAPEZ, 2020, p. 117).

Contudo, há uma modalidade de interpretação da lei, não só penal, que consiste na interpretação teleológico-subjetiva, que busca aferir a vontade do legislador no momento da feitura da lei, valendo-se, para tanto, de investigações, por exemplo, das notas taquigráficas das Casas Legislativas, de modo a descobrir tudo o que foi debatido antes da feitura da lei.

ESPÉCIES

QUANTO AO SUJEITO QUE A ELABORA

AUTÊNTICA OU LEGISLATIVA

É a interpretação feita pelo próprio órgão que elaborou o texto da norma. Pode ser:

CONTEXTUAL: é realizada dentro do próprio texto elaborado, como no caso do art. 327 do Código Penal, que explica o conceito de funcionário público para fins penais.

POSTERIOR: é realizada posteriormente, ou seja, a lei interpretadora entra em vigor após a lei interpretada, como, por exemplo, se fosse o caso de o Ministério da Saúde editar uma nova portaria listando as drogas regulamentadas no Brasil, para, assim, complementar a Lei nº 11.343/2006.

ATENÇÃO: a norma interpretativa tem efeito ex tunc, uma vez que apenas esclarece o sentido da lei.

DOUTRINÁRIA OU CIENTÍFICA

É a interpretação feita pelos estudiosos e cientistas do Direito, como no caso dos livros, artigos, folders etc. com conteúdo jurídico. Não tem força obrigatória.

Segundo Fernando Capez, “a Exposição de Motivos [do Código Penal] é interpretação doutrinária e não autêntica, uma vez que não é lei” (CAPEZ, 2020, p. 117), no caso, de autoria de Ibrahim Abi-Ackel, então Ministro da Justiça do Brasil, sendo que o Código Penal teve a contribuição de diversos penalistas, como Nelson Hungria.

JUDICIAL

É a interpretação feita pelos órgãos jurisdicionais, não tendo força obrigatória no âmbito do Direito Penal, valendo salientar algumas exceções: 1) as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal; 2) no âmbito do Direito Processual Civil, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, há algumas matérias de observância obrigatória, que vinculam todos os juízes.

QUANTO AOS MEIOS EMPREGADOS

GRAMATICAL, LITERAL OU SINTÁTICA

Essa modalidade interpretativa leva em conta o sentido literal das palavras. Assim, por exemplo, quando se entende que, para o crime de homicídio, matar “alguém” significa matar pessoa natural, está a se entender a lei tal e qual exatamente aquilo que consta literalmente do texto da norma.

EXEMPLO: caso dos namorados proibidos de se verem.

LÓGICA OU TELEOLÓGICA

Essa modalidade busca a vontade da lei, “atendendo-se aos seus fins e à sua posição dentro do ordenamento jurídico” (CAPEZ, 2020, p. 118).

A interpretação teleológica se subdivide da seguinte forma:

TELEOLÓGICA-OBJETIVA: busca a vontade da lei em si, por meio da análise da exposição de motivos da lei, por exemplo.

TELEOLÓGICA-SUBJETIVA: busca a vontade do legislador, por meio da análise das notas taquigráficas dos debates nas Casas Legislativas, por exemplo.

QUANTO AO RESULTADO

DECLARATIVA

Nessa, como o nome sugere, declara-se que “há perfeita correspondência entre a palavra da lei e a sua vontade” (CAPEZ, 2020, p. 118). Assim, por exemplo, quando se declara que, para o crime de homicídio, matar “alguém” significa matar pessoa natural, está a se entender a lei tal e qual exatamente aquilo que consta no texto da norma.

RESTRITIVA

Nessa, entende-se que a letra escrita da lei foi além da sua vontade e, assim sendo, tendo a lei dito mais do que queria, por tal motivo a interpretação restringe o seu significado. Como por exemplo, temos o art. 28 do Código Penal, que, apesar de dispor que a embriaguez, voluntária ou culposa, não exclui a imputabilidade penal, é interpretado no sentido de que a embriaguez patológica pode excluir sim a imputabilidade penal se vier a interferir totalmente na capacidade do indivíduo, excluindo a sua culpabilidade, porque pode ser considerada como doença mental.

EXTENSIVA

Nessa, entende-se que “a letra escrita da lei ficou aquém da sua vontade”, ou seja, “a lei disse menos do que queria e, por isso, a interpretação vai ampliar o seu significado” (CAPEZ, 2020, p. 118). O Direito Penal não admite interpretação extensiva em prejuízo do réu. Por outro lado, o Direito Processual Penal admite interpretação extensiva, ainda que em prejuízo do réu.

O PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO

Esse princípio é melhor tratado na disciplina de Direito Processual Penal, mas, basicamente, enuncia que o juiz, ao proferir sua decisão final no processo,  se estiver em dúvida deve decidir a favor do réu, absolvendo-o ou mesmo selecionando a hipótese que mais o beneficie dentre as possíveis (se estiver na dúvida entre a culpa e a inocência, deve escolher a inocência; se estiver na dúvida entre a culpa por crime mais grave, como tráfico, e infração penal menos grave, como posse de droga para uso próprio, deve condenar pela infração menos grave).

Cremos que o princípio do in dubio pro reo deve ser aplicado tanto na esfera do Processo Penal (questões probatórias, por exemplo), como também na esfera do Direito Penal, de modo que, se o juiz eventualmente estiver na dúvida sobre o alcance de determinada norma penal, deve interpretá-la de maneira mais benéfica ao réu.

INTERPRETAÇÃO PROGRESSIVA, ADAPTATIVA OU EVOLUTIVA

É a forma de interpretação que, ao longo do tempo, vai adaptando-se às mudanças político-sociais e às necessidades do momento, como no caso da aplicação do crime de ato obsceno, previsto no art. 233 do Código Penal, em que no passado se entendia que condutas como o beijo lascivo se enquadravam em tal delito, mas, no presente, devido à maior “liberdade sexual”, entende-se que o beijo lascivo, por si só, ainda que praticado em via pública, não configura o crime.

ANALOGIA

CONCEITO

A analogia também recebe o nome de integração analógica, suplemento analógico e aplicação analógica e “consiste em aplicar-se a uma hipótese não regulada por lei disposição relativa a um caso semelhante”, assim sendo, o fato, por não ser regido por qualquer norma, passa a ser regido por um caso análogo, como, por exemplo, o art. 128, II, do Código Penal, que dispõe que o aborto praticado por médico não é punido “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. Embora tal norma permissiva afaste o crime de aborto, tanto para o médico como para a gestante, se a prática for feita pelo médico com o consentimento da gestante que fora estuprada, entendeu-se ser possível aplicar tal norma permissiva também ao crime de violação sexual mediante fraude, previsto no art. 215 do Código Penal. A título de exemplo, configura violação sexual mediante fraude a conduta do gêmeo que se faz passar pelo irmão para ter relação sexual com a esposa desse.

FUNDAMENTO

A razão de ser da analogia é a premissa de que “onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito”, em latim, “ubi eadem ratio, ibi eadem jus” (CAPEZ, 2020, p. 121).

NATUREZA JURÍDICA

É uma forma de autointegração da lei, valendo destacar, contudo, que não é fonte mediata do direito.

DISTINÇÃO ENTRE ANALOGIA, INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA E INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA

ANALOGIA (NÃO HÁ NORMA)

Nessa, não há norma reguladora para a hipótese.

INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA (A NORMA É ESTENDIDA)

Nessa, existe uma norma regulando a hipótese, mas tal norma não menciona expressamente o que pretendeu mencionar, de modo que o intérprete deve ampliar seu significado para além do que estiver apenas textualmente previsto, como no caso do art. 181, I, do Código Penal, que prevê a escusa absolutória para o agente que pratica o crime de furto contra cônjuge na constância da sociedade conjugal (casamento), podendo estender tal aplicação também para a pessoa que está em união estável com outra e pratica furto contra ela na constância dessa união estável (CAPEZ, 2020, p. 122).

INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA (A NORMA TRAZ UM EXEMPLO)

Nessa, existe uma norma regulando a hipótese, mas essa norma estabelece uma fórmula genérica, que deve ser interpretada de acordo com os casos anteriormente nela própria estabelecidos, como no caso da qualificadora do homicídio consistente no crime praticado mediante paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe. No caso, a lei é clara ao determinar que a paga e a promessa de recompensa são exemplos de motivo torpe, mas também é clara ao dizer que qualquer outro motivo torpe também se enquadrará na qualificadora, como no caso do filho que mata o pai para receber herança, por exemplo.

ESPÉCIES

LEGAL OU LEGIS

Nessa, o caso é regido por norma reguladora de hipótese semelhante.

JURÍDICA OU JURIS

Nessa, a hipótese é regulada por princípio extraído do ordenamento jurídico em seu conjunto, como no caso de aplicar-se o princípio da boa-fé, que vem do Direito Civil, para interpretar a norma penal relativa ao crime de receptação, de modo que eventual acusado de receptação pode alegar que presumiu a boa-fé do terceiro ao adquirir o produto proveniente de crime.

IN BONAM PARTEM

É a analogia empregada em benefício do agente.

IN MALAM PARTEM

É a analogia utilizada em prejuízo do agente.

ANALOGIA EM NORMA PENAL INCRIMINADORA

O Direito Penal não admite analogia in malam partem, de modo que, por exemplo, não se pode considerar como crime o furto de uso (subtração de coisa alheia móvel apenas para uso), pois o crime de furto exige o ânimo de assenhoramento definitivo da coisa, isto é, a vontade de, ao subtrair a coisa, ser o seu dono definitivo, ainda que por breve momento, de modo que configurará crime do furto o a conduta do agente que subtrai um celular e o vende logo em seguida, por exemplo, pois para vender teve ânimo de dono.

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: 24ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020 – versão digital.


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