Teoria do crime – fato típico – conduta

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CONCEITO

Conduta é “a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade” (CAPEZ, 2020, p. 258).

Diante disso, extraímos as seguintes premissas:

  • o pensamento, por si só, não é objeto do Direito Penal;
  • apenas a conduta exteriorizada no mundo concreto e perceptível pode ser objeto do Direito Penal;
  • a exteriorização da conduta pode ser por ação ou omissão;
  • é a possibilidade de evitabilidade da conduta que justifica a incidência do Direito Penal, de modo que se a conduta não pode ser evitada pelo agente (se for ameaçado de morte a fazer algo, p. ex., havendo coação moral), não haverá crime;
  • o Direito Penal não se preocupa com os resultados decorrentes de caso fortuito ou força maior, nem com a conduta praticada com coação física.

conduta quando existir consciência e vontade, aliadas a uma exteriorização (ação ou omissão) dirigida a uma finalidade.

conduta dolosa quando a vontade, aliada à exteriorização (ação ou omissão) dirigida a uma finalidade, produzir o resultado pretendido.

conduta culposa quando a vontade, aliada à exteriorização (ação ou omissão) dirigida a uma finalidade, produzir um resultado diverso do pretendido.

ELEMENTOS DA CONDUTA

  1. consciência;
  2. vontade;
  3. exteriorização (ação ou omissão);
  4. finalidade.

EXEMPLO:

  1. Fulano está acordado e no pleno gozo de suas faculdades mentais, portanto tem consciência;
  2. Fulano, nessas condições, decide erguer um copo d’água para beber, portanto tem vontade;
  3. Fulano ergue o copo, portanto há exteriorização (no caso, ação);
  4. Fulano ergueu o copo pretendendo levá-lo à boca para matar sua sede, portanto há finalidade;
  5. A partir disso, exemplificamos duas situações:
  • Fulano consegue levar o copo à boca e matar a sede, portanto obtendo o resultado pretendido, o que configura a conduta dolosa;
  • Fulano descuida-se e o copo cai, molhando sua roupa, havendo, nesse caso, um resultado diverso do pretendido, o que configura a conduta culposa.

Nos casos acima, os resultados (provenientes da conduta dolosa ou culposa) não são considerados comportamentos típicos, ou seja, não são previstos como infração penal, daí porque são considerados irrelevantes penais.

Contudo, se fossem comportamentos previstos na lei penal como infração penal e que efetivamente significassem violação ao bem jurídico tutelado, aí sim teríamos uma infração penal.

Assim, concluímos que “conduta penalmente relevante é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime” (CAPEZ, 2020, p. 261).

ANIMAIS PODEM REALIZAR CONDUTA? “Só as pessoas humanas podem realizar conduta, pois são as únicas dotadas de vontade e consciência para buscar uma finalidade. Animais irracionais não realizam condutas, e fenômenos da natureza não as constituem” (CAPEZ, 2020, p. 261).

AUSÊNCIA DE VOLUNTARIEDADE

Se não há vontade/voluntariedade, não há conduta.

Assim, não há conduta nos casos de reflexos (espasmos etc.) e de coação física irresistível (vis absoluta).

Haverá conduta, contudo, no caso de coação moral, mas, se a coação moral for irresistível (vis compulsiva), embora ainda assim haja conduta (que está no fato típico), não haverá culpabilidade e, portanto, não haverá crime (pela teoria tripartida).

DISTINÇÃO ENTRE CONDUTA E ATO

A conduta pode ser por ação (comissiva) ou por omissão (omissiva). Se for por ação, a isso chamamos de “ato”. Há aqui, portanto, uma relação de gênero e espécie.

FORMAS DE CONDUTA

São duas:

i) ação ou conduta comissiva: é o “comportamento positivo, movimentação corpórea, facere [‘fazer’]” (CAPEZ, 2020, p. 294);

  • Nessa, temos o desatendimento a preceitos proibitivos (a norma manda não fazer e o agente fez, descumprindo a norma).

ii) omissão ou conduta omissiva: é o “comportamento negativo, abstenção do movimento, non facere [‘não fazer’]” (CAPEZ, 2020, p. 294/295).

  • Nessa, temos o desatendimento de preceitos imperativos (a norma manda fazer e o agente não fez, descumprindo a norma).

DA CONDUTA OMISSIVA

CONCEITO

“Quando a norma impõe a realização de uma conduta positiva, a omissão dessa imposição legal gera a lesão da norma mandamental”, de modo que “a norma é lesionada mediante a omissão da conduta ordenada”. “A omissão, na realidade, do ponto de vista ontológico, não é em si mesma uma ação, mas sim a omissão de uma ação”. “Ação e omissão são subclasses independentes dentro da ‘conduta’, suscetíveis de serem regidas pela vontade final. Contudo, a omissão está necessariamente ligada a uma ação, porque não existe uma omissão em si mesma, mas apenas a omissão de uma ação determinada” (CAPEZ, 2020, p. 295).

Assim, omitir-se, por si só, não é crime, enquanto, por outro lado, omitir-se de algo que a lei obrigue o agente fazer, causando, com a omissão, um resultado tutelado pela norma penal, aí sim é crime.

“É importante notar que, para a elaboração dos tipos omissivos, utiliza-se de técnica legislativa diferente, pois, enquanto os tipos ativos descrevem a conduta proibida (não matar), os omissivos descrevem a conduta devida (socorrer, ajudar), com o que ficam proibidas aquelas que dela diferem” (CAPEZ, 2020, p. 295/296).

TEORIAS DA OMISSÃO
TEORIA NATURALÍSTICA

Para essa teoria, a omissão é um fenômeno causal, que pode ser percebido no mundo dos fatos, de modo que em vez de ser considerada uma inatividade (non facere), na realidade é uma verdadeira espécie de ação, pois parte-se do pressuposto que quem se omite fazer alguma coisa, a saber, deixar de fazer (CAPEZ, 2020). Essa teoria não foi adotada pelo Código Penal do Brasil.

TEORIA NORMATIVA

Para essa teoria, “a omissão é um nada, não pode causar coisa alguma”, de modo que “quem se omite nada fazer, portanto, nada causa”, e, dessa forma, o “omitente não deve responder pelo resultado, pois não o provocou”. Contudo, excepcionalmente, “embora não se possa esclarecer nexo causal entre omissão e resultado, essa teoria, entretanto, admite que aquele que se omitiu seja responsabilizado pela ocorrência”, desde que, para tanto, exista o dever jurídico de agir (CAPEZ, 2020, pp. 297/298).

FORMAS DE CONDUTA OMISSIVAS
CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS

Nos crimes omissivos próprios, não há nenhuma das hipóteses de dever jurídico de agir (quod debeatur), previstas no art. 13, § 2º, “a”, “b” e “c”, do Código Penal. Assim, nessas situações em que não há as mencionadas hipóteses de dever jurídico de agir, o omitente somente praticará crime se houver tipo incriminador descrevendo a omissão como infração penal, como no caso dos arts. 135 e 269 do CP e 304 do CTB (CAPEZ, 2020).

“Desse modo, aqui, exige-se uma atividade do agente, no sentido de salvaguardar um bem jurídico cuja desconsideração do comando legal por omissão gera o ajustamento dessa conduta omissiva de modo direto e imediato à situação tipificada” (CAPEZ, 2020, p. 299).

CRIMES OMISSIVOS IMPRÓPRIOS OU CRIMES OMISSIVOS PUROS, ESPÚRIOS, PROMÍSCUOS OU COMISSIVOS POR OMISSÃO

Nesses, a lei atribui ao agente a posição de garante, atribuindo-lhe um dever legal de agir para impedir o resultado que ele devia e podia evitar, mas o agente, nada fazendo, ficando inerte de forma voluntária e consciente, praticará o crime.

“Como consequência, o omitente não responde só pela omissão como simples conduta, mas pelo resultado produzido, salvo se este não lhe puder ser atribuído por dolo ou culpa” (CAPEZ, 2020, p. 300).

Assim, o pai que se descuida do filho e, com sua omissão, não age para impedir que a criança pule de um prédio e faleça, responderá por homicídio culposo.

CRIMES OMISSIVOS POR COMISSÃO

“Nesses crimes, há uma ação provocadora da omissão. Por exemplo, chefe de uma repartição impede que sua funcionária, que está passando mal, seja socorrida. Se ela morrer, o chefe responderá pela morte por crime omissivo por comissão” (CAPEZ, 2020, p. 300).

PARTICIPAÇÃO POR OMISSÃO

A participação por omissão se dá quando o omitente, “tendo o dever jurídico de evitar o resultado, concorre para ele ao quedar-se inerte”, respondendo pelo resultado “como partícipe” (CAPEZ, 2020, p. 300).

Estudaremos melhor a participação por omissão quando do estudo do tema “concurso de pessoas”.

REQUISITOS DA OMISSÃO

Segundo Fernando Capez, são seguintes os requisitos cumulativos da omissão (CAPEZ, 2020, p. 301):

i) conhecimento da situação típica;

ii) dolo de omissão: consciência, por parte do omitente, de seu poder de ação para a execução da ação omitida;

iii) possibilidade real, física, de levar a efeito a ação exigida.

Imaginemos que um pai, que tem o dever jurídico de cuidar de seu filho, o deixa com a babá, monitorando sua casa à distância, do trabalho, por meio de câmeras de segurança. Em dado momento, o pai vê que seu filho está a saltar de distância alta, caindo na sequência e lesionando-se ou falecendo. Nesse caso, o pai, por mais que tenha tido o conhecimento da situação típica, não tinha a possibilidade real e física de levar a efeito a ação exigida (salvar a criança), diante da distância que a dela estava para trabalhar (e não por abandono). Assim, não responderá por crime algum, sequer crime omissivo.

CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

CASO FORTUITO: “é aquilo que se mostra imprevisível, quando não inevitável; é o que chega sem ser esperado e por força estranha à vontade do homem, que não o pode impedir”, como, por exemplo, “incêndio provocado pelo cigarro derrubado do cinzeiro por um golpe de ar inesperado” (CAPEZ, 2020, p. 301).

FORÇA MAIOR: “trata-se de um evento externo ao agente, tornando inevitável o acontecimento”, como, por exemplo, “a coação física” (CAPEZ, 2020, p. 302).

Ambos excluem o dolo e a culpa, excluindo, portanto, a conduta, que por sua vez exclui o fato típico e, ao fim, exclui o crime.

SUJEITOS DA CONDUTA TÍPICA

Sujeito ativo é quem pratica a figura típica (infração penal) descrita na lei, seja de maneira isolada, seja conjuntamente com outros, abrangendo os autores e os partícipes.

PESSOA JURÍDICA COMO SUJEITO ATIVO DE CRIME

Para responder se a pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime, há algumas teorias, que veremos abaixo.

TEORIA DA FICÇÃO

Essa teoria não admite pessoa jurídica como sujeito ativo de crime, pelos seguintes motivos:

  1. ausência de consciência, vontade e finalidade;
  2. ausência de culpabilidade (somente o ser humano tem imputabilidade, p. ex.);
  3. ausência de capacidade de pena / princípio da personalidade da pena (a punição da pessoa jurídica poderia cair sobre inocentes, como sócios minoritários que votaram contra a decisão que ocasionou o crime);
  4. ausência de justificativa para a imposição da pena (pena deve intimidar e pessoa jurídica não se intimida).

TEORIA DA REALIDADE OU DA PERSONALIDADE REAL

Para essa teoria, a pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime, pelos seguintes motivos:

  1. a pessoa jurídica tem vontade própria, distinta da de seus membros;
  2. a pessoa jurídica pode ser responsável pelos seus atos, devendo o juízo de culpabilidade ser adaptado às suas características;
  3. a pena não ultrapassa a pessoa da empresa, o que respeita o princípio da personalidade da pena;

TEORIA CONCILIATÓRIA

Para essa teoria, que busca conciliar as duas anteriores, embora a pessoa jurídica seja incapaz de conduta e de culpabilidade no sentido penal, certo é que, diante da necessidade de combate à criminalidade moderna, que é, em regra, cometida através de entidades coletivas, é possível considerar as pessoas jurídicas como sujeito ativo de crimes.

Segundo Fernando Capez, o Brasil se inclina a adotar essa teoria, tanto o é que, STJ e STF já o fizeram, conforme REsp nº 86.586.4/PR e RE nº 548.181, respectivamente, consoante menciona o autor (CAPEZ, 2020, p. 314). Assim, parece-nos que a única controvérsia que remanesce é se, embora cabível, a responsabilização penal da pessoa jurídica dependeria ou não também da imputação simultânea das pessoas físicas que atuam em seu nome ou em seu benefício, de modo que, nos julgados mencionados, o STJ entende que sim (entende que é necessária a imputação simultânea da pessoa jurídica e da pessoa física) e o STF entende que não (entende que é desnecessária essa imputação simultânea).

OBJETO JURÍDICO E OBJETO MATERIAL

OBJETO JURÍDICO DO CRIME: “é o bem jurídico, isto é, o interesse protegido pela norma penal”, como por exemplo: “a vida, no homicídio; a integridade corporal, nas lesões corporais; o patrimônio, no furto; a honra, na injúria; a dignidade e a liberdade sexual da pessoa, no estupro; a administração pública, no peculato etc.” (CAPEZ, 2020, p. 315).

OBJETO MATERIAL DO CRIME: “é a pessoa ou coisa sobre as quais recai a conduta”, ou seja, “é o objeto da ação”, não se devendo confundi-lo com objeto jurídico, de sorte que, por exemplo, “o objeto material do homicídio é a pessoa sobre quem recai a ação ou omissão, e não a vida; no furto, é a coisa alheia móvel sobre a qual incide a subtração, e não o patrimônio; no estupro, é a pessoa, e não a dignidade sexual etc.” (CAPEZ, 2020, p. 315).

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: 24ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020 – versão digital.


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