Como sabemos, diante do princípio da territorialidade, em regra a lei brasileira é aplicável aos fatos cometidos no Brasil. Também já sabemos que, excepcionalmente, pode ser aplicada a lei estrangeira aos crimes cometidos em território brasileiro, fenômeno que se chama intraterritorialidade.
Contudo, há também outras exceções em que, mesmo um crime sendo cometido em território nacional e mesmo não sendo o caso de intraterritorialidade, ainda assim a lei penal brasileira não incidirá.
Essas exceções são as seguintes:
i) imunidades diplomáticas;
ii) imunidades parlamentares;
iii) inviolabilidade do advogado.
IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS
A imunidades diplomáticas abrangem as seguintes pessoas:
i) agentes diplomáticos (embaixador, secretários da embaixada, pessoal técnico e administrativo das representações);
ii) componentes da família dos agentes diplomáticos (CC – art. 1.591 e seguintes);
iii) funcionários das organizações internacionais (ONU, OEA, etc.);
iv) chefe de Estado estrangeiro que visita o País, inclusive os membros de sua comitiva;
ATENÇÃO: os empregados particulares dos agentes diplomáticos não têm imunidade, ainda que sejam da mesma nacionalidade deles.
As imunidades diplomáticas garantem aos agentes diplomáticos e às pessoas citadas anteriormente as seguintes prerrogativas:
i) não pode ser preso sem autorização de seu país;
ii) não pode ser submetido a procedimento ou processo sem autorização de seu país;
iii) as sedes diplomáticas não podem ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução por parte dos agentes locais;
iv) não é obrigado a prestar depoimento como testemunha, sendo obrigado apenas a depor sobre fatos relacionados com o exercício das funções.
IMUNIDADES PARLAMENTARES
IMUNIDADE PENAL/MATERIAL
Conceito: consiste na inviolabilidade civil e penal dos parlamentares por quaisquer de suas manifestações proferidas no exercício ou desempenho de suas funções, dentro ou fora do parlamento.
Natureza jurídica: exclui a tipicidade do crime, de modo que o parlamentar por ela alcançado sequer pratica fato típico. Assim, se não pratica fato típico, não existe possibilidade de coautoria, nem participação, pois não existe nenhuma infração da qual se possa ser coautor ou partícipe.
- CF, art. 53, caput
IMUNIDADE PROCESSUAL/FORMAL
A imunidade parlamentar processual/formal abrange as seguintes prerrogativas:
i) garantia contra a instauração de processo enquanto durar o cargo:
- CF, art. 53, §§ 3º, 4º e 5º
ii) direito de não ser preso, salvo em caso de flagrante por crime inafiançável:
- CF, art. 53, § 2º
iii) foro privilegiado (competência originária do STF para processar deputados federais e senadores):
- CF, art. 53, § 1º
iv) imunidade para servir como testemunha: deputados federais e senadores não são obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações
- CF, art. 53, § 6º
Imunidade parlamentar e o corréu (coautor): se um parlamentar pratica uma conduta não alcançada pela imunidade material e essa conduta é criminosa, se praticada em conjunto com outra pessoa que não seja parlamentar, a imunidade processual do primeiro não se estende ao segundo.
- Súmula 245 do STF
Estado de sítio: as imunidades dos deputados e senadores subsistirão durante o estado de sítio, mas podem ser suspensas mediante o voto de 2/3 dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso, que sejam incompatíveis com as imunidades (CF, art. 53, § 8º).
Suplente e parlamentar licenciado do cargo: não têm imunidade parlamentar, pois não estão no exercício do cargo.
Autorização para processar o parlamentar: é desnecessária, de modo que, uma vez recebida a denúncia contra o parlamentar por crime praticado após a diplomação, o STF apenas dará ciência à Casa respectiva (Câmara dos Deputados ou Senado), mas não pedirá autorização.
ATENÇÃO: mesmo sendo desnecessária a autorização, uma vez cientificada a Casa sobre o processo contra o parlamentar, esse processo poderá ser suspenso se, a pedido de partido político representado na Casa, houver votação a favor da maioria de seus membros.
Crime cometido antes da diplomação: se, por outro lado, o parlamentar praticou crime antes da diplomação, o processo segue seu curso normal perante o juiz natural, não podendo ser suspenso pelo parlamento, ao passo que o STF também não tem a obrigação de comunicar o parlamento sobre a existência do processo.
IMUNIDADE PRISIONAL
Regra: desde a diplomação, os parlamentares não poderão ser presos.
Exceção: contudo, poderão ser presos em flagrante por crime inafiançável.
ATENÇÃO: apenas é admitida a prisão em flagrante, não se admitindo prisão temporária, preventiva ou mesmo prisão civil.
Procedimento: se for preso em flagrante por crime inafiançável, os autos da prisão deverão ser remetidos em 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, se resolva sobre a prisão.
ATENÇÃO: a imunidade prisional não abrange a prisão em razão de condenação penal, de modo que, se o parlamentar for condenado a começar a cumprir pena, deverá ser preso.
FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO OU “FORO PRIVILEGIADO”
Conceito: prerrogativa de ser julgado por um Tribunal específico.
Abrangência: o foro especial por prerrogativa de função abrange somente os procedimentos e processos de natureza penal, excluindo-se os de natureza civil
Diplomação e cargo: uma vez diplomado, os parlamentares ganham a prerrogativa de serem julgados pelo STF, por crimes comuns, inclusive eleitorais. O foro especial por prerrogativa de função dura apenas enquanto durar o mandato e, uma vez cessado definitivamente o mandato, acaba o foro especial.
- CF, art. 102, I, “b”.
Inquéritos e processos anteriores à diplomação: uma vez diplomado o parlamentar, eventuais inquéritos e processos anteriores à diplomação deverão ser encaminhados, de imediato, ao STF.
INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO
- CF/88, art. 133
- Lei nº 8.906/94 – EOAB, art. 7º, § 2º
- CP, art. 142, I
Imunidade do advogado: injúria e difamação, quando praticadas em juízo, na discussão da causa, em relação às partes e os advogados litigantes.
ATENÇÃO: a lei, em si, não confere ao advogado imunidade por injúria e difamação praticadas contra o juiz da causa, mas o STF, no Habeas Corpus nº 98.237/SP, entendeu que a imunidade do advogado abrange também a ofensa praticada contra o juiz, desde que tenha relação com o contexto do processo.
ATENÇÃO: embora o art. 7º, § 2º, do Estatuto da OAB, disponha também sobre a imunidade do advogado em relação ao crime de desacato, esse preceito específico está com sua eficácia suspensa em razão do julgamento proferido pelo STF na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADI 1.127. Assim, atualmente, os advogados não têm imunidade em relação ao crime de desacato.
DEPUTADOS ESTADUAIS
Os Deputados Estaduais têm as mesmas imunidades que os parlamentares federais (CF/88, art. 27, § 1º).
VEREADORES
Os Vereadores têm somente imunidade material, desde que no exercício do mandato e na circunscrição de seu Município (CF, art. 29, VIII). Eles não têm imunidade processual, nem foro especial. Possuem, no entanto, direito à prisão especial (CPP, art. 295, II).
PREFEITOS
Os Prefeitos não têm imunidade penal ou processual, tendo somente direito ao foro por prerrogativa de função perante os Tribunais de Justiça. Assim, se cometerem crime, serão julgados não pelo juiz de 1ª instância, mas sim diretamente pelo Tribunal de Justiça.
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
O Presidente da República não tem imunidade material, não sendo imune por suas palavras, opiniões e manifestações, ainda que no exercício da Presidência da República, podendo ser responsabilizado.
Contudo, o Presidente da República tem 3 importantes imunidades processuais:
- CF/88, art. 86
i) necessidade de prévia autorização da Câmara dos Deputados, por decisão de dois terços dos seus membros, para que seja instaurado processo contra ele, tanto no Senado quanto no STF (CF/88, art. 86, caput).
ii) afastamento das prisões cautelares (flagrante, preventiva e temporária), já que, enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, ele não estará sujeito a prisão, isto é, o Presidente da República não se submete à nenhuma espécie de prisão cautelar, nem mesmo em flagrante delito (CF/88, art. 86, § 3º);
iii) irresponsabilidade temporária, na vigência do mandato, pela prática de atos estranhos ao exercício de suas funções (CF/88, art. 86, § 4º): se o Presidente da República pratica ato que não tem relação com as funções, quando como, por exemplo, agride alguém por divergência de time de futebol, o Presidente, enquanto durar seu mandato, não responderá pelo crime, somente podendo responder quando expirar o mandato.
REFERÊNCIAS
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: 24ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020 – versão digital.
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