A indevida prisão do deputado Daniel Silveira

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Direto ao ponto e sendo bem sucinto, entendo que a prisão do deputado Daniel Silveira, amplamente noticiada nos últimos dias, é medida equivocada.

De início, embora até se possa cogitar de uma limitação da imunidade material prevista constitucionalmente para os deputados e senadores em suas opiniões, palavras e votos (CF/88, art. 53, caput), já que não existem princípios e regras absolutos, certo é que a mera existência de uma limitação dos princípios e regras, se desprovida de balizas constitucionalmente ou legalmente claramente previstas para sua interpretação, infirma a segurança jurídica necessária às decisões judiciais, pois coloca ao arbítrio do julgador decidir, de acordo apenas com a sua convicção, o exato alcance da referida imunidade material.

Não se pode desconsiderar, ainda, que a imunidade material existe justamente para proteger manifestações que já não sejam contempladas pela liberdade de expressão, eis que, caso não o fosse, necessária não seria tal imunidade, pois bastaria se socorrer da liberdade de expressão para amparar os dizeres dos parlamentares e, nas hipóteses que não houvesse amparo, poder-se-ia cogitar da prática de ilícitos civis ou criminais.

É dizer: a liberdade de expressão já é direito fundamental garantido a todos, de modo que o constituinte, ao estabelecer claramente que os parlamentares são invioláveis civil e penalmente por suas manifestações, não só reforça a liberdade de expressão garantida a eles na qualidade de cidadãos, como também, valendo-se da premissa de que “a lei não contém palavras inúteis”, avança para estabelecer que os parlamentares têm mais poder de manifestação que os cidadãos em geral. É que, acaso assim não o fosse, desnecessário seria o art. 53, caput, da Constituição.

Assim, relativizar a imunidade material ao menor sinal de problemas é, em si, acabar com a própria imunidade, o que o texto constitucional não admite.

Mas não é só. Ainda que se admita a relativização da imunidade material dos parlamentares para concluir que, no caso, o deputado praticou crimes, a prisão ainda assim se afiguraria ilegal.

E isso se diz não pela inovação de um “mandado de prisão em flagrante” como fora feito, já que, estando alguém em flagrante, estabelece o art. 301 do Código de Processo Penal que qualquer do povo tem o poder e qualquer autoridade policial e seus agentes têm o dever de prender, de modo que, assim sendo, pela Teoria dos Poderes Implícitos, se toda autoridade policial e seus agentes têm o poder de prender alguém em flagrante, nada impede que uma autoridade de alta envergadura, como o é um ministro do Supremo Tribunal Federal – que, além de ser o responsável em última análise pela validação da legalidade de uma prisão, por óbvio também é pessoa do povo -, em vez de executar a captura da pessoa a ser presa, determine que outro o faça, determinação que pode ser inclusive verbal e, assim sendo, também pode ser por escrito, tal qual se operou no caso concreto em análise.

Contudo, a prisão se demonstra ilegal porque incidiu, no caso, sobre crimes que são afiançáveis e, assim sendo, prevalece a regra da imunidade formal no sentido de que os membros do Congresso Nacional só podem ser presos em flagrante por crime inafiançável (CF/88, art. 53, § 2º).

Frise-se: ainda que superada a controvérsia acerca da imunidade material – que, se incidente, afastaria o fato típico, isto é, o crime em si -, é importante observar que os delitos imputados ao deputado, previstos na Lei nº 7.170/1983 – Lei de Segurança Nacional, não constituem crimes inafiançáveis, já que a Constituição Federal prevê como crimes inafiançáveis apenas os seguintes: racismo; ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; tortura; tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; terrorismo e hediondos (CF/88, art. 5º, XLII, XLIII e XLIV).

Na hipótese em análise, por mais que se cogite que houve crimes contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, certo é que esses supostos delitos não foram praticados por ação de grupos armados civis ou militares, o que afasta a possibilidade de serem considerados inafiançáveis.

Ainda, não se deve confundir os crimes inafiançáveis com as hipóteses de inafiançabilidade previstas no art. 324 do Código de Processo Penal, pois esse dispositivo não lista delitos, mas sim situações em que, se verificadas, não será concedida a fiança, como no caso do inciso I, que determina que não será concedida fiança aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida, por exemplo.

E também não se pode desconsiderar que o inciso IV do art. 324 do Código de Processo Penal, embora determine que não será concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva, não ampliou as hipóteses de crimes inafiançáveis, pois entender de tal maneira seria, em última análise, considerar que quase todos os crimes do ordenamento jurídico, senão todos, seriam, por extensão, inafiançáveis, raciocínio que não se admite.

E não se admite porque somente a Constituição Federal pode estabelecer, em rol taxativo, quais crimes são inafiançáveis, sendo vedado à legislação infraconstitucional o fazer, sob pena de inconstitucionalidade.

Portanto, a conclusão é pela ilegalidade da prisão determinada contra o parlamentar, sem prejuízo de discussões posteriores sobre a prática de crimes diante de eventual limitação da imunidade material.


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