INTRODUÇÃO
Como já vimos, crime é um fato típico, ilícito/antijurídico e culpável. O elemento fato típico já foi estudado e, agora, estudaremos o elemento ilicitude/antijuridicidade.
De início, é importante perceber que, para que o fato seja considerado ilícito/antijurídico, é necessário que primeiro seja considerado típico. Assim, se na análise do fato típico faltar algum de seus elementos, esse fato será considerado atípico e, portanto, já estará afastado o crime, sendo desnecessário analisar-se, na prática, a sua ilicitude/antijuridicidade.
É que podemos dizer que a análise do crime se dá em etapas. Primeiro analisamos se o fato é típico, para, só então, analisarmos se é ilícito/antijurídico e, somente depois disso, analisaremos se é culpável. Basta que o fato não seja típico para que seja desnecessário analisar se é ilícito/antijurídico. De igual modo, se o fato for típico, mas não for ilícito/antijurídico, isso basta para que seja desnecessário analisar se é culpável.
1º) analisar se o fato é típico;
2º) analisar se o fato é ilícito/antijurídico;
3º) analisar se o fato é culpável.
PRÁTICA FORENSE
Contudo, ao redigir peças processuais, o operador do Direito deve alegar todas as teses que vislumbrar. Assim, num caso em que o operador do Direito constate que determinada conduta praticada é atípica, o que tornaria desnecessário continuar discutindo a ilicitude e a culpabilidade, é importante que esse operador prossiga na investigação para saber se aquela conduta também seria antijurídica ou não.
É que não há como saber o que está na cabeça do juiz, de modo que pode ser que ele não concorde com a tese de atipicidade do fato, mas concorde, por exemplo, com a tese de ilicitude ou de não culpabilidade, o que afastaria o caráter criminoso do fato e causaria a absolvição do agente.
Por isso é importante que o operador do Direito leve ao juiz todas as teses que identificar como possíveis e viáveis em determinado caso, pois caso ele não absolva o réu por um motivo, talvez absolva por outro.
FATO TÍPICO TEM PRESUNÇÃO DE ILICITUDE/ANTIJURIDICIDADE
Segundo a teoria do caráter indiciário da ilicitude ou da ratio cognoscendi, proposta pelo professor Max Ernst Mayer e adotada no Brasil, as duas etapas consistentes na análise do fato típico + ilicitude têm uma ligação parcial. Não é uma ligação total, nem uma desconexão total, mas um meio-termo.
É que, segundo a teoria acima, a mera prática de um fato típico, por si só, já traz uma presunção relativa de que esse fato é ilícito. Explicando melhor, quando alguém pratica um fato considerado típico, como matar alguém, esse contexto gera uma aparência, um indício, uma presunção, de que esse fato, além de típico, e também ilícito.
Assim, a princípio, a mera prática de fato típico, por si só, já atrai a ilicitude. Contudo, pode ser que o sujeito, embora pratique fato típico, tenha agido amparado por uma excludente de ilicitude, como, por exemplo, a legítima defesa. Nesse caso, havendo prova de que agiu em legítima defesa, estará afastada a presunção relativa de que a conduta típica por ele praticada é ilícita.
ATENÇÃO: há uma profunda discussão no campo do direito processual sobre a quem incumbiria provar a (in)existência de causas excludentes da ilicitude. 1) para alguns, quem acusa é que deve provar que, além de típico, o fato não está amparado por alguma excludente de ilicitude; 2) para outros, bastaria a quem acusa provar que o fato é típico, de modo que o réu, caso queira, deverá provar que agiu amparado sob alguma excludente de ilicitude ou culpabilidade. Geralmente, basta saber que a doutrina e jurisprudência majoritárias entendem que prevalece a primeira corrente de pensamento.
EXAME DA ILICITUDE: ANÁLISE POR EXCLUSÃO
Se para analisar o fato típico devemos exercer um juízo positivo, constatando a presença cumulativa de todos os seus elementos (conduta + resultado + nexo causal + tipicidade), a análise da ilicitude, por outro lado, pressupõe um juízo negativo, ou seja, analisaremos se há ilicitude constatando a ausência de suas excludentes.
Assim, “o exame da ilicitude nada mais é do que o estudo das suas causas de exclusão, pois, se estas não estiverem presentes, presumir-se-á a ilicitude” (CAPEZ, 2019, p. 371).
ESPÉCIES DE ILICITUDE
i) ilicitude formal: é a mera contrariedade do fato ao ordenamento jurídico, de nada importando se o fato é efetivamente perigoso à sociedade ou é reprovável.
ii) ilicitude material: é a efetiva contrariedade do fato ao sentimento comum de justiça (injusto), de modo que o comportamento do agente afronta o que o homem médio tem por justo e correto, havendo uma lesividade social presente na conduta, que vai além da mera afronta ao texto da lei.
ATENÇÃO: a ilicitude material, embora se chame assim, na verdade deve ser entendida como tipicidade material, de modo que ela não compõe o estudo da antijuridicidade, mas sim do fato típico.
iii) ilicitude objetiva: enuncia que para haver a ilicitude basta que o fato por ele praticado não esteja amparado por causa excludente de ilicitude, pouco importando se o agente tinha ou não capacidade de saber o seu caráter ilícito.
iv) ilicitude subjetiva: enuncia que o fato só será ilícito se o agente tiver capacidade de avaliar o seu caráter criminoso, não bastando que a conduta objetivamente não esteja amparada por causa excludente da ilicitude;
ATENÇÃO: a ilicitude subjetiva, embora se chame assim, na verdade deve ser estudada no campo do fato culpável, pois, caso o agente aja sem saber o caráter criminoso de sua ação, estará afastado o fato culpável e não o fato ilícito/antijurídico.
CONCLUSÃO: concluímos que, para haver ilicitude enquanto 2º elemento do crime (1 – fato típico, 2 – fato ilícito, 3 – fato culpável), basta que haja ilicitude formal + ilicitude objetiva, pouco importando a ilicitude material e a ilicitude subjetiva, que, na verdade, afetam os outros elementos do crime e não a ilicitude.
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
Como já vimos, pela teoria da ratio cognoscendi, todo fato típico é, presumidamente, um fato ilícito. Contudo, há algumas causas que podem excluir a ilicitude, sendo elas legais (previstas expressamente na lei) ou supralegais (não previstas em lei).
CAUSAS LEGAIS
i) estado de necessidade;
ii) legítima defesa;
iii) estrito cumprimento do dever legal;
iv) exercício regular de direito.
OBS.: as causas legais serão estudadas uma a uma posteriormente.
CAUSAS SUPRALEGAIS
Para autores como Fernando Capez, não há mais causas supralegais excludentes da ilicitude, pois comportamentos que não são ofensivos a ponto de justificar a atuação do Direito Penal devem ser enquadrados no campo da atipicidade material. Assim, segundo o autor, ficou esvaziado o campo das causas supralegais excludentes de ilicitude, mas as matérias antes nele tratados passam agora a ser tratadas pela tipicidade material.
Contudo, alguns autores permanecem firmes na ideia de que ainda há causas legais excludentes da ilicitude.
Uma delas é o consentimento do ofendido, que ocorre quando um agente pratica um fato típico contra uma vítima, mas ela permite que ele o faça, daí porque esse fato, embora típico, deixa de ser ilícito, diante do consentimento da vítima. A excludente do consentimento do ofendido parte do pressuposto de que alguns bens jurídicos são disponíveis, ou seja, as pessoas podem dispor livremente deles. Como exemplo de bem jurídico disponível, temos a integridade física superficial.
EXEMPLO 1: ao ir ao salão para cortar as unhas e cabelo, esses procedimentos consistem em verdadeiras lesões corporais, de modo que o corte de uma unha exige verdadeiro emprego de violência contra essa parte do corpo, violência essa empregada com arma branca (tesoura), mas que não constitui crime pois a violência está sendo exercida com o consentimento da “vítima” e apenas contra bem jurídico disponível, qual seja, sua integridade física superficial.
ATENÇÃO: no exemplo acima, abre-se mão apenas da integridade física superficial, pois essa é a única disponível. A integridade física que não seja superficial não é disponível. Assim, continua sendo crime a conduta do sujeito que, sadicamente, ampute um braço de outro sujeito a machadadas, mesmo que esse último manifeste seu consentimento. É que o consentimento do ofendido, enquanto causa supralegal excludente da ilicitude, só pode se dar em relação à integridade física superficial. Nesse caso, a ofensa à integridade física foi mais que superficial, daí porque a conduta é criminosa.
EXEMPLO 2: conforme retratado no filme “50 Tons de Cinza”, a personagem feminina principal renuncia a sua integridade física superficial para satisfazer sexualmente o personagem masculino principal, o que afasta o caráter criminoso das lesões causadas por ele a ela, desde, é claro, que tais lesões não ultrapassem o “razoável”.
REFERÊNCIAS
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: 24ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020 – versão digital.
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