Teoria do crime – crime consumado e crime tentado

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ITER CRIMINIS – CAMINHO DO CRIME

O crime deve percorrer quatro etapas até a sua consumação:

i) cogitação: é a mera mentalização ou desejo do crime e é impunível, pois o Direito Penal não pune meros pensamentos;

ii) preparação: é a prática de atos imprescindíveis à execução do crime, sendo impunível, exceto se constituir, por si só, crime previsto em lei;

iii) execução: é o começo do ataque ao bem jurídico e é punível como crime tentado;

iv) consumação: ocorre quando todos os elementos do crime foram realizados e é punível como crime consumado.

ATENÇÃO: e o exaurimento? Conforme veremos, o exaurimento não constitui fase do crime, mas mera “confirmação” desse, sendo, portanto, desnecessário haver exaurimento para que haja crime consumado.

EXEMPLOS:

1) José deseja profundamente matar João, seu algoz, porque quer o amor de Maria, que ama João, achando que, com isso, irá resolver as coisas. José, então, começa a idealizar, na sua mente, várias maneiras de executar o crime, chegando até a pensar o dia e horário em que irá praticar o delito, inclusive mediante uso de arma de fogo, que pretende adquirir ilegalmente de Josias, dias antes do crime. Nesse caso, José está apenas na fase da cogitação do crime, ou seja, a conduta está apenas na sua mente, sendo, portanto, impunível.

2) Carlos planejou matar Mário, e, para tanto, estudou a rotina da vítima e comprou uma faca para praticar o delito, inclusive deixando seus planos em anotações detalhadas sobre a sua mesa de jantar. Assim, decidido a matar Mário, Carlos, num certo dia, ficou espreitando atrás de uma moita no caminho que Mário tomava para voltar do trabalho para casa. Lourdes, irmã de Carlos, viu as anotações, foi ao local dos fatos e o encontrou atrás da moita, com a faca em punho, minutos antes de Mário passar por ali. Nesse exemplo, embora extremamente próximo do início da execução do delito, Carlos não cometeu crime algum, porque ele ainda não iniciou os atos executórios da conduta homicida, ao passo que seus atos preparatórios, por si sós, não constituem crime, eis que posse de arma branca não é crime, o que seria diferente caso Carlos portasse ilegalmente arma de fogo, hipótese em que cometeria crime.

3) Ademir, profundamente chateado com a traição de sua esposa, vai até a casa do amante dessa pretendendo matá-lo e, portando um revólver, desfere vários tiros em direção ao seu algoz, errando todos os tiros, contudo. Nesse caso, Ademir iniciou os atos executórios, daí porque praticou crime de homicídio tentado. Caso tivesse acertado os tiros e a vítima não tivesse morrido, ainda assim seria crime de homicídio tentado. Caso a vítima tivesse morrido em razão dos disparos, aí seria crime de homicídio consumado.

CRIME CONSUMADO

Conceito: crime consumado “é aquele em que foram realizados todos os elementos constantes de sua definição legal” (CAPEZ, 2019, 323).

EXEMPLOS:

1) furto se consuma com a inversão da posse, que caracteriza a subtração da coisa alheia móvel;

2) homicídio se consuma quando a vítima efetivamente morre.

DIFERENÇA ENTRE CONSUMAÇÃO E EXAURIMENTO

Consumação: ocorre quando o bem jurídico é ofendido, com a realização de todos os elementos constantes da definição do tipo penal.

Exaurimento: é uma fase posterior à consumação e irrelevante para a caracterização do crime, consistindo em verdadeira “confirmação” do crime, ocorrendo quando o agente, após cometer o crime consumado, prossegue agredindo o bem jurídico, procura dar-lhe uma nova destinação ou tenta tirar novo proveito, fazendo com que sua conduta continue a produzir efeitos no mundo concreto.

ATENÇÃO: o exaurimento, mesmo sendo irrelevante para caracterizar o crime, poderá repercutir na pena do agente.

CRIME TENTADO (CONATUS = “ESFORÇO”)

Conceito: tentativa é a “não consumação de um crime, cuja execução foi iniciada, por circunstâncias alheias à vontade do agente” (CAPEZ, 2019, 325).

Natureza jurídica: “norma de extensão temporal da figura típica causadora de adequação típica mediata ou indireta” (CAPEZ, 2019, 325). Tentativa é uma ficção jurídica.

ELEMENTOS DO CRIME TENTADO

i) o início da execução;

ii) a não consumação;

iii) a interferência de circunstâncias alheias à vontade do agente: é necessário que as circunstância que impeçam a consumação sejam alheias à vontade do agente, pois, caso o agente aja voluntariamente para impedir ou diminuir a execução do crime, não falaremos de tentativa, mas sim de outros conceitos como desistência voluntária, arrependimento eficaz ou arrependimento posterior.

INÍCIO DA EXECUÇÃO

Existem 3 (três) critérios possíveis para definir o início da execução:

i) critério lógico-formal: segundo esse critério, a execução se dá quando há a “correspondência formal dos atos executados com a realização parcial do correspondente tipo delitivo” (MARQUES apud CAPEZ, 2019, p. 328), ou seja, há execução quando a conduta do agente começa a agredir o bem jurídico tutelado.

OBSERVAÇÃO: esse é o critério mais adequado, segundo Fernando Capez.

ii) critério subjetivo: segundo esse critério, a execução deve ser observada sob o enfoque do querer do agente, isto é, se achamos que ele quis praticar o crime com os atos que até então praticou, concluímos que ele deu início à execução.

OBSERVAÇÃO: segundo Fernando Capez, esse critério é problemático e não deve ser adotado, pois permite enquadrar como criminoso uma pessoa que nada de lesivo tenha feito até então. Como exemplo, imaginemos o caso de um indivíduo que quer matar alguém e compra uma faca para fazê-lo, mas o quer praticar apenas daqui 30 (trinta) dias, ou seja, pretende executar o crime apenas daqui certo tempo. Pelo critério subjetivo, esse indivíduo seria, desde já, considerado autor de atos executórios de homicídio, o que se demonstra injusto, pois é bem possível que, nesse período, desista de matar a vítima por quaisquer motivos que sejam. Nesse sentido, tentar antecipar eventuais condutas criminosas de maneira tão alargada e indistinta acaba gerando injustiças, tal qual retratado no filme de ficção científica “Minority Report – A Nova Lei”.

iii) critério misto: segundo esse critério, deve-se levar em conta os dois critérios anteriores para se definir o momento da execução, de modo que “A tentativa começa com aquela atividade com a qual o autor, segundo seu plano delitivo, se põe em relação imediata com a realização do tipo delitivo” (URZÚA apud CAPEZ, 2019, p. 330).

OBSERVAÇÃO: o problema desse critério é a insegurança jurídica que gera, pois não se sabe ao certo o momento da execução.

FORMAS DE TENTATIVA

EXEMPLO MAIOR: determinado agente planeja matar uma vítima com 10 (dez) disparos de arma de fogo e, após erguer e apontar contra ela a arma carregada (conjunto de atos que denominaremos “exemplo maior”), acontecem alguns eventos menores, que serão analisados abaixo.

i) tentativa imperfeita: há interrupção do processo executório por circunstâncias alheias à vontade do agente.

ii) tentativa perfeita ou acabada / crime falho: o agente pratica todos os atos de execução do crime, mas não o consuma por circunstâncias alheias à sua vontade.

iii) tentativa branca ou incruenta: a vítima não é atingida, nem vem a sofrer ferimentos.

iv) tentativa cruenta: a vítima é atingida, vindo a lesionar-se, mas o crime não se consuma.

EXEMPLOS MENORES

1) após o evento maior, o agente é surpreendido por um policial militar, que o joga ao chão antes mesmo de efetuar qualquer disparo. Trata-se, aqui, de tentativa imperfeita e branca, pois o agente foi interrompido e a vítima não foi atingida;

2) após o evento maior, o agente efetivamente pratica os 10 (dez) disparos, mas nenhum deles atinge a vítima. Trata-se, aqui, de tentativa perfeita e branca, pois o agente não foi interrompido, mas mesmo assim a vítima não foi atingida;

3) após o evento maior, o agente efetivamente pratica os 10 (dez) disparos e todos eles atingem a vítima, que, contudo, é prontamente socorrida e recupera-se. Trata-se, aqui, de tentativa perfeita e cruenta, pois o agente não foi interrompido e a vítima foi atingida;

4) após o evento maior, o agente começa a disparar 5 (cinco) vezes e é prontamente impedido de prosseguir por um policial militar, mas os 5 (cinco) disparos efetivamente atingem a vítima, que é prontamente socorrida e recupera-se. Trata-se, aqui, de tentativa imperfeita e cruenta, pois o agente foi interrompido e a vítima foi atingida.

PUNIÇÃO DA TENTATIVA

A tentativa é punida de forma mais branda, isto é, menos grave, do que o crime consumado. O juiz deverá, em regra, em razão da tentativa, diminuir a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), dependendo do grau de aproximação da consumação do delito, de modo que quanto mais a tentativa se aproximar de consumar o delito, menos o juiz deve diminuir a pena, e vice-versa.

  • CP, art. 14, II e parágrafo único.

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: 24ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020 – versão digital.


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