Policial militar tem obrigação de atuar 24h por dia?

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Uma pergunta comumente feita é se o policial militar, diante de um crime, teria a obrigação de agir 24h por dia, mesmo que esteja de folga, ainda que esteja com vestes civis. Esse debate foi reacendido recentemente, diante do vídeo que circulou nas redes sociais, em que uma policial militar, fardada, aparentemente de folga, deixou de agir quando solicitada pela população, conforme vídeo abaixo:

É importante mencionar que diuturnamente policiais militares exigem o cumprimento de normas que tratam do seu direito de posse e porte de arma de fogo, exigindo sempre a interpretação dessas normas que mais lhes favoreça, isto é, que permita não só a posse como também o porte de armas de fogo em quaisquer lugares. Como exemplo, veja um caso em que um policial militar entrou armado em uma boate, não para trabalhar, mas sim de folga, iniciando-se uma briga que terminou em tiros e também com a prisão do policial, caso esse ocorrido na boate Prime, em Caratinga (MG). Há outro caso, envolvendo o lutador de jiu-jitsu Leandro Lo, em que o contexto era parecido, isto é, um policial militar de folga estava armado em um show num clube e disso resultou a morte do lutador.

Nesse contexto, se policiais militares alegam legitimidade para entrarem armados em boates até mesmo quando estão de folga, em meio a pessoas embriagadas e com música alta (contexto que contribui com o acirramento de eventuais animosidades), devem os policiais serem chamados a atuar 24h por dia, independentemente de estarem de folga? Do ponto de vista criminal, há o dever de agir para eles?

Para responder a essas perguntas, vejamos o que diz, por exemplo, o Regulamento Geral da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais (Decreto nº 11.636/1969):

Art. 317 – O policial-militar, mesmo de folga, é obrigado a atuar, do ponto de vista policial, em qualquer local em que esteja, a fim de prevenir ou reprimir a prática de delito, e desde que não haja elemento ou força de serviço suficiente.

Parágrafo único – Para todos os efeitos legais, considera-se essa situação como ato de serviço.

Regulamento Geral da PMMG

Art. 278 – Ao Policial cumpre, particularmente: (…)

XIII – atuar, do ponto de vista policial, em qualquer local em que estiver, mesmo de folga ou trajes civis, a fim de prevenir ou reprimir prática de delito, desde que não haja elemento ou força de serviço suficiente, situação essa em que se considera ato de serviço para os efeitos legais;

Regulamento Geral da PMMG

A título comparativo, vejamos o que diz o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Lei Complementar nº 893/2001):

Artigo 8º – Os deveres éticos, emanados dos valores policiais-militares e que conduzem a atividade profissional sob o signo da retidão moral, são os seguintes: (…)

XXXV – atuar onde estiver, mesmo não estando em serviço, para preservar a ordem pública ou prestar socorro, desde que não exista, naquele momento, força de serviço suficiente.

Regulamento Disciplinar da PMSP

Ainda, há entendimentos do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (TJMMG) confirmando o que diz a lei, entendendo que, mesmo de folga, o policial militar é obrigado a atuar:

CRIME MILITAR. O policial militar, mesmo de folga, é obrigado a atuar, do ponto de vista policial, em qualquer local que esteja, a fim de prevenir ou reprimir a prática de delito e, desde que não haja elemento ou força de serviço sufi ciente. A intervenção policial militar é dever e constitui ato de serviço, e a omissão, crime. É crime militar o praticado em tais circunstâncias.” (TJMMG, RSE 109 – Rel. Juiz Cel PM Laurentino de Andrade Filocre).

TJMMG

CRIME MILITAR. POLICIAL DE FOLGA. DEVER DE AGIR. CONFIGURAÇÃO. O policial militar que interfere em ocorrência policial cumprindo normas estatutárias e seu dever profissional, se se envolver em circunstância delituosa, esta é considerada de natureza militar, ainda que esteja de folga, em trajes civis e use arma própria. (TJMMG, RSE 107 – Rel. Juiz Cel PM Afonso Barsante dos Santos).

TJMMG

No mesmo sentido também já decidiu o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (TJMSP):

Ao policial, mesmo fora do horário de sua jornada de trabalho, imputa-se a obrigação de intervir em qualquer ocorrência policial (Código de Processo Penal, artigo 301), exercendo função ininterrupta e contínua. TJSP (TJMSP, Apelação 992080335828 julgada em 03/02/2010).

TJMSP

Contudo, ainda que saibamos que é dever do policial militar agir mesmo que de folga, pergunta-se: ele está obrigado a agir em todo e qualquer caso? O Código Penal determina, em seu art. 13, § 2º, alínea “a”, que “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”, e que “o dever de agir incumbe a quem” “tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”. No mesmo sentido é o art. 29, § 2º, do Código Penal Militar.

Ora, não é em todo caso que o policial pode e deve agir. Imagine um policial militar à paisana, que esteja passeando com sua família, quando repentinamente um grupo de vários criminosos, em alguns carros distintos, fortemente armados com fuzis, entra em um banco para fazer um assalto. Não há a menor chance de esse policial poder agir eficazmente. Ele não tem quaisquer chances de vencer os criminosos nesse contexto. Não se está dizendo aqui que o policial possa optar pela cômoda alternativa de evitar o perigo. Não se trata disso, afinal, quando o policial fez sua escolha pela Polícia Militar, aceitou enfrentar o perigo onde ele estiver (precisamos refletir, como sociedade, sobre como estamos remunerando nossos policiais, se a baixa remuneração que recebem faz jus ao risco diário que enfrentam nas ruas).

No caso, trata-se de questão distinta: é que realmente demonstra-se inútil que o policial enfrente o perigo. Ele certamente seria vencido pelos criminosos e morto. Seria um sacrifício da vida policial em vão. Por isso, em contextos extremos como o narrado acima, em que o policial não tem quaisquer condições de vencer o criminoso, se ele se omitir, então essa omissão não será penalmente relevante, isto é, não configurará crime por parte do policial, pois faltou-lhe a possibilidade de agir eficazmente.

Alertamos, contudo, para um detalhe: ainda que não possa agir (como no caso acima), permanece o dever de o policial comunicar e pedir reforços, pois do contrário poderá responder pelo crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal Militar, se ficar demonstrado que deixou de atuar por interesse ou sentimento pessoal (como por exemplo algum receio etc.), isso tudo, é claro, sem prejuízo de eventual responsabilização no âmbito administrativo, que independe da responsabilização criminal do policial.


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