É equivocada a condenação do réu a arcar diretamente com os honorários do advogado dativo

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Na prática forense, tem-se visto que alguns juízes de primeira instância, após nomearem advogados para atuarem em processos criminais defendendo os interesses de réus, depois de todo o trabalho exercido pelos profissionais, condenam os réus, e não o Estado – ou a União, em casos que tramitam na Justiça Federal -, a arcarem com os honorários dos respectivos advogados.

É certo que a atuação desses advogados nomeados como dativos decorre do direito de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, previsto no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal de 1988, e, em hipóteses tais, se dá quando a circunscrição judiciária não tem defensores públicos ou os tem em inúmero insuficiente para suprir a demanda local.

Ao que consta para o articulista que vos escreve, sempre teria sido pacífico, além de decorrer do dispositivo constitucional acima mencionado, que a assistência jurídica gratuita, que abrange tanto atos judiciais como extrajudiciais, seria custeada, ao menos inicialmente, pelos entes públicos.

Todavia, alguns juízes, partindo de uma aferição unilateral das condições socioeconômicas dos réus, vêm condenando os acusados a arcarem com os honorários dos advogados nomeados para atuarem em seu favor.

De início, essas condenações já se demonstram equivocadas quando os juízes o fazem apenas nos últimos atos de sua jurisdição de primeira instância, ou seja, em regra, em sentença, surpreendendo os advogados dativos. É que os advogados dativos, que, até então, nas fases iniciais do processo, tinham a expectativa de que receberiam do Estado ou da União, deparam-se com decisões terminativas condenando os próprios réus a arcarem com os honorários, o que se afigura equivocado.

No mínimo seria necessário que os juízes, já antes do ato da nomeação do advogado, aferissem a condição socioeconômica dos réus e, somente constatando não ser o caso de hipossuficiência (com oportunidade de contraditório ofertado ao réu, é claro), realizassem a nomeação consignando expressamente que os honorários seriam custeados pelo réu, e não pelo Estado, para que, assim, os advogados pudessem aceitar a nomeação se quisessem, haja vista que o risco de não receber dos acusados, por certo, é maior do que o risco de não receber do Estado.

Não o fazendo, tais juízes, na ótica deste humilde articulista, além de inobservarem a garantia de ampla defesa e, especificamente, o direito de defesa técnica dos acusados, inobservam, em relação aos próprios advogados, o dever de transparência e incorrem em indevido venire contra factum proprium, já que a praxe forense, ao sentir deste advogado que vos escreve, sempre foi no sentido de que o Estado ou a União arcariam com os honorários dos réus que não constituíram advogado, independentemente de hipossuficiência provada ou sequer alegada.

Além de consistir em uma inobservância de deveres em relação aos advogados, essas decisões também vulneram a garantia de autodefesa técnica dos acusados em processos criminais, prevista no art. 261 do Código de Processo Penal, que preleciona que “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor“. É que, por certo, ao condenar os réus, e não o Estado, a custearem os honorários dos advogados, notadamente quando sem antes avisar aos causídicos sobre essa possibilidade, desestimulam, e muito, o exercício da advocacia dativa, já tão maculada em solo nacional.

Não se ignora, contudo, o parágrafo único do art. 263 do CPP, que estabelece a obrigatoriedade do juiz nomear defensor dativo ao acusado que não tiver constituído advogado e que, expressamente, dispõe que “O acusado, que não for pobre, será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz“.

Uma leitura fria desse dispositivo, admite-se, pode levar à equivocada conclusão de que, de fato, caberia ao juiz aferir a hipossuficiência do acusado e, em caso de não constatá-la, condenar-lhe, no próprio processo criminal, a custear os honorários do advogado dativo, expedindo-se certidão de honorários atestando obrigação que deveria ser arcada pelo próprio réu.

Entretanto, defende-se, a interpretação acertada é no sentido de que, embora seja razoável que um réu não pobre não seja agraciado com as benesses da assistência jurídica gratuita, é dever do Estado, ao menos inicialmente, custear os honorários em quaisquer casos perante os advogados. O Estado, então, em se tratando de réus não pobres, já tendo quitado sua obrigação com os advogados dativos, pode, de fato, ajuizar ação regressiva contra os respectivos réus, mas de nenhum modo poderiam os juízes delegarem aos advogados o ônus e risco de cobrarem honorários daqueles que defenderam.

No sentido da possibilidade de o Estado custear, inicialmente, os honorários mesmo de réus não pobres, inclusive, é a lição do ilustre Guilherme de Souza Nucci, desembargador do Estado de São Paulo. Vale citar:

13. Custeio da defesa: dispõe a Constituição Federal que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV), significando que o encargo não é geral, mas específico. Réus pobres têm o direito fundamental de obter defesa técnica gratuita nos processos criminais, mas aqueles que, favorecidos economicamente, não desejando contratar advogado, por razões variadas, obrigarem o juiz a nomear um defensor dativo ou mesmo um membro da Defensoria Pública, devem ser responsabilizados pelos honorários do profissional. Pode o Estado antecipar o pagamento do dativo, mas o ressarcimento há de ser exigido diretamente do acusado, em ação à parte. Quanto aos defensores públicos, do mesmo modo, estão eles obrigados a atuar em defesa daquele que não quer ser defendido, pois o direito é indisponível, mas o Estado cobrará honorários devidos, igualmente (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 15ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 668) – grifou-se.

Para além de mera possibilidade, defende-se, o custeio dos honorários prima facie pelo Estado, em quaisquer casos, é medida impositiva, que decorre, repita-se, da garantia constitucionalmente e legalmente prevista de que ninguém será processado criminalmente sem que lhe seja assegurada defesa técnica, ainda que não constitua advogado.

Aliás, a Constituição Federal de 1988, ao impor ao Estado a prestação de assistência jurídica integral e gratuita em favor dos que comprovarem insuficiência de recursos, não fez distinção entre recursos jurídicos e recursos econômicos, de modo que, ainda que não haja vulnerabilidade econômica, o simples fato do réu não ter constituído advogado evidencia, por si só, vulnerabilidade jurídica, o que também concede-lhe o direito à assistência jurídica gratuita, sobretudo na seara criminal, em que, repita-se, ninguém pode ser processado sem que haja defesa técnica regularmente exercida.

Reforçando o equívoco em se condenar o réu a arcar com os honorários, tem-se, ainda, a vedação imposta aos advogados dativos a receberem verbas diretamente dos réus, sob pena de cometerem crime de concussão. É que, como sabido, a jurisprudência já assentou que quando o advogado atua como dativo, exerce múnus público e, assim sendo, é funcionário público para fins penais, não podendo exigir para si vantagem em razão do exercício dessa função, vantagem essa que é considerada indevida e, portanto, submete o advogado a crime de concussão. 

A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO (ARTIGO 316 DO CÓDIGO PENAL). DEFENSOR DATIVO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DESEMPENHO DE FUNÇÃO PÚBLICA. ENQUADRAMENTO NO ARTIGO 327 DO CÓDIGO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. De acordo com o artigo 134 da Constituição Federal, a defesa em juízo das pessoas necessitadas é incumbência da Defensoria Pública, considerada instituição essencial à função jurisdicional do Estado. Trata-se, portanto, de função eminentemente pública, pois destinada a garantir a ampla defesa constitucionalmente prevista em favor de todos os acusados em processo penal, independentemente da capacidade financeira de contratação de um profissional habilitado. 2. Embora não sejam servidores públicos propriamente ditos, pois não são membros da Defensoria Pública, os advogados dativos, nomeados para exercer a defesa de acusado necessitado nos locais onde o referido órgão não se encontra instituído, são considerados funcionários públicos para fins penais, nos termos do artigo 327 do Código Penal Doutrina. 3. Tendo o recorrente, na qualidade de advogado dativo, exigido para si vantagem indevida da vítima, impossível considerar a sua conduta atípica como pretendido no reclamo. […] (RHC 33.133/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 05/06/2013)

Ora, de acordo com o julgado acima, se os advogados dativos, quando nomeados para exercer a defesa de acusado necessitado, são considerados funcionários públicos para fins penais, não podendo exigir do réu qualquer vantagem para o desempenho de suas funções, sob pena de crime de concussão, fica claro que somente o Estado pode cobrar dos acusados, por via de ação regressiva, os ditos honorários, e nunca os próprios advogados.

Não bastasse, há, ainda, a prática de alguns Estados, como o de Minas Gerais, que fixam uma “subtabela” de honorários, em que os valores são estipulados abaixo dos valores mínimos da tabela regular da Ordem dos Advogados do Brasil, sob o pretexto de “economia de recursos”, aviltando ainda mais a advocacia.

Em se tratando de Estados como Minas Gerais, por exemplo, a situação do ente federativo é muito cômoda, porque, além de não cumprirem suas obrigações de estruturar a Defensoria Pública tal quais determinam as Constituições Federal e Estaduais, deixando inúmeras pessoas humildes sem o amparo defensorial, ainda acabam eximindo-se de pagar honorários aos advogados dativos nomeados, sob o pretexto criticado no presente artigo.

Ademais, ainda em se tratando de Minas Gerais, mesmo que o advogado, após árduo trabalho, conquiste uma certidão obrigando o ente federativo a custear honorários, inicia-se uma outra longa jornada para receber a verba alimentar, já que, como sabido, há muito os advogados mineiros não conseguem receber administrativamente as verbas honorárias, tendo que ajuizar ações que perdurarão por longos anos para, somente então, receberem seus merecidos honorários ou, ao menos, deixar a verba para seus netos.

Por fim, não se pode olvidar que, se de tudo o magistrado insistir em condenar o réu, e não o Estado, em arcar com a verba honorária, essa, então, deve ser fixada observando a tabela oficial da OAB, e não as “subtabelas” convencionadas entre Estados e Tribunais, já que, nessa hipótese, como hodiernamente reconhecido pelos próprios magistrados, não se trata de verba a ser suportada pelos Estados, mas sim pelos acusados, e, portanto, não há falar em incidência das temerosas “subtabelas”, já que essas decorrem de pactos firmados com os Estados e não com os réus.

Desse modo, acaso o Judiciário continue condenando os réus, e não o Estado, a custearem, diretamente, os honorários em relação aos advogados, crê-se que o adequado é que ao menos o faça observando a tabela regular da OAB e, no mínimo, advertindo os causídicos já quando do ato da nomeação, para dar-lhes a oportunidade de, querendo, recusá-la, evitando-se, assim, decisão surpresa.


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