A teoria do desvio produtivo do consumidor, proposta no Brasil pelo jurista, mediador e advogado Marcos Dessaune, como o próprio nome sugere, enuncia a possibilidade jurídica de fixação de uma indenização em razão dos recursos dispendidos pelo consumidor para tentar solucionar problemas que não deu causa.
O autor trata o tempo como um recurso produtivo da pessoa, abordando-o, ainda, como verdadeiro bem econômico e, por consequência, bem jurídico, asseverando que, em relações consumeristas, o tempo “tomado” dos consumidores é valioso e, portanto, deve ser indenizado.
Afinal, o tempo que o consumidor dispensa para solucionar problemas causados pelo fornecedor de produtos e/ou serviços representa verdadeiro enriquecimento ilícito desse último, pois é ele, e não o consumidor, quem deveria sanar os vícios daquilo que põe no mercado de consumo, em vez de delegar tal responsabilidade à parte vulnerável da relação consumerista.
Noutras palavras, cada segundo necessário à resolução do problema indevidamente “gasto” pelo consumidor é poupado do fornecedor, de modo que, diante da máxima de que “tempo é dinheiro”, esse custo econômico-temporal inicialmente transferido ao consumidor deve ser indenizado por aquele que deu causa e não sanou o problema, qual seja, o fornecedor:
Perceba-se que esses grandes fornecedores, ao se aproveitar da sua superioridade no mercado para transferir para o consumidor o custo temporal, operacional e material de sanar o vício do seu produto ou serviço, o dano decorrente de um defeito nele ou a consequência danosa de uma prática abusiva, em princípio auferem um lucro extra e injustificado à custa do consumidor.
Além disso, tal conduta desleal, não cooperativa e danosa dessas megaempresas frequentemente ainda é marcada pela habitualidade no mercado de consumo, lesando direito individual homogêneo de um grupo de consumidores ligados por um fato comum, provocando um desequilíbrio na relação de consumo que coloca os consumidores em desvantagem exagerada e gerando prejuízos coletivos (DESSAUNE, Marcos. Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado e da vida alterada – 2ª ed. – Vitória (ES): [s.n.], 2017, pp. 82/83)
A situação se agrava mais ainda se o tempo “roubado” do consumidor prejudica o seu lazer, direito constitucionalmente previsto (CF/88 – art. 6º, caput), de modo que, arremata o autor, sempre que uma pessoa consumidora necessita adiar ou suprimir qualquer atividade planejada ou desejada para resolver problemas causadas pelo fornecedor, exsurge o dever de indenizar:
Consoante se constata, a Lei Maior proclama a atividade existencial do “lazer”, enquanto expressão individual ou social da liberdade de ação em geral, como um direito constitucional, sendo a saúde, o desenvolvimento social e a melhoria da qualidade de vida – sobretudo da pessoa trabalhadora – os bens ou interesses jurídicos que se mostram protegidos pelas normas citadas.
Em face da investigação anterior sobre a responsabilidade civil, pode-se então sustentar que uma ofensa ao direito constitucional ao lazer evidencia um ato antijurídico. Porém o dano exclusivamente decorrente dessa violação atingiria, em princípio, a saúde, o desenvolvimento social e a qualidade de vida sobretudo da pessoa trabalhadora, uma vez que são esses os objetos do direito constitucional em comento.
De toda forma, rememore-se, não é possível realizar, ao mesmo tempo, duas ou mais atividades de natureza incompatível ou fisicamente excludentes, do que resulta que uma atividade preterida no presente, em regra, só poderá ser realizada no futuro suprimindo-se outra atividade. Logo, quando a pessoa consumidora precisa adiar ou suprimir qualquer atividade existencial planejada ou desejada, de modo indesejado, ocorre uma alteração prejudicial do seu cotidiano ou do seu projeto de vida, o que representa um prejuízo efetivo para ela (DESSAUNE, Marcos. Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado e da vida alterada – 2ª ed. – Vitória (ES): [s.n.], 2017, p. 208) – grifou-se.
Sobre o tema, esclarece-se que, conforme notícias extraídas do respeitável site Consultor Jurídico – ConJur, juntadas em anexo para evitar estender o presente petitório, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo e reafirmando, em inúmeros casos, a aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor.
Ademais, cumpre salientar que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais também já entendeu pela necessidade de aplicação da multicitada teoria:
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DO CONSUMIDOR – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA – ART. 29 E 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INDENIZAÇÃO DEVIDA – COBRANÇA INDEVIDA – SERVIÇO CANCELADO – CONSTRANGIMENTO QUE ULTRAPASSA O MERO DISSABOR – TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO OU PERDA DE TEMPO ÚTIL DO CONSUMIDOR – APLICAÇÃO – POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. – A cobrança indevida por serviço que o consumidor acreditava ter sido cancelado enseja dano moral e direito à indenização no caso concreto. – A pretensão indenizatória também é legitimada em decorrência do desgaste e significativo tempo despendidos na tentativa de solução extrajudicial, face à consagrada tese do desvio produtivo ou perda de tempo útil. – Segundo a melhor doutrina e a mais abalizada jurisprudência, com a reparação por dano moral não se pretende refazer o patrimônio, mas dar à pessoa lesada uma satisfação, que lhe é devida por uma situação constrangedora que vivenciou, buscando desestimular o ofensor à prática de novos atos lesivos, do que se conclui que a indenização tem, portanto, um caráter repressivo e pedagógico (TJMG – Apelação Cível 1.0000.18.051872-2/001, Relator(a): Des.(a) Mota e Silva , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/08/2018, publicação da súmula em 29/08/2018) – grifou-se.
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