Lei penal no espaço – extraterritorialidade, extradição e jurisdição principal e subsidiária

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PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE

Considerações preliminares: o princípio da extraterritorialidade consiste na aplicação da lei brasileira aos crimes cometidos fora do território nacional. Tal princípio é exceção no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que a regra é o princípio da territorialidade, mais especificamente o da territorialidade temperada/mitigada. É preciso ter em mente que cada país tem sua soberania e pode aplicar sua própria lei em seu próprio território. Contudo, por conveniência, os países estabeleceram entre si acordos e/ou tratados internacionais para que, a depender do caso, um país possa julgar e punir um crime cometido no território de outro. De qualquer modo, ainda que não existissem tais acordos e/ou tratados internacionais, um país ainda assim poderia julgar um crime cometido em outro, se quisesse, mas a punição do infrator dependeria de ajustes entre as nações soberanas.

CP – art. 7º

FORMAS DE EXTRATERRITORIALIDADE

Existem duas formas de extraterritorialidade, a saber: extraterritorialidade condicionada e extraterritorialidade incondicionada.

Extraterritorialidade incondicionada: como o próprio nome sugere, essa espécie de extraterritorialidade não se subordina a qualquer condição para atingir um crime cometido fora do território nacional. Assim, basta que uma das hipóteses ocorra, independentemente de condições, para que se aplique a lei penal brasileira.

Hipóteses de extraterritorialidade incondicionada: estão previstas no inciso I do art. 7º do Código Penal, quais sejam:

QUALQUER HIPÓTESECP, art. 7º, I

a) crimes contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;

b) crimes contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;

c) crimes contra a Administração Pública, por quem está a seu serviço;

d) crimes de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil.

OBS.: o crime de genocídio, previsto na Lei nº 2.889/1956, em resumo, diz respeito às condutas intencionadas a destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

Extraterritorialidade condicionada: como o próprio nome também sugere, essa espécie de extraterritorialidade é subordinada a algumas condições cumulativas (devem estar todas presentes), de modo que, ausente qualquer uma de tais condições, não se aplicará a lei penal brasileira cometida fora do território nacional.

Hipóteses de extraterritorialidade condicionada: estão previstas no art. 7º, inciso II, do Código Penal, bem como também no art. 7º, § 3º, do Código Penal, quais sejam:

QUALQUER HIPÓTESECP, art. 7º, II

a) crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

b) crimes praticados por brasileiro;

c) crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

CP, art. 7º, § 3º

a) crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, após o crime, o estrangeiro entra no Brasil por qualquer motivo e o seu país de origem não pede sua extradição ou se a extradição é negada;

b) crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se houve requisição do Ministro da Justiça.
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TODAS AS CONDIÇÕESCondições para a aplicação da extraterritorialidade condicionada: estão previstas no art. 7º, § 2º, do Código Penal, quais sejam:

a) entrar o agente no território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

ATENÇÃO: como visto, para que se aplique a lei penal brasileira em se tratando de extraterritorialidade condicionada, é necessária a presença de qualquer das hipóteses mencionadas com a soma de todas as condições expostas. A falta de apenas uma das condições já é suficiente para, nesse caso, afastar a regra de aplicação da lei penal brasileira sobre o crime cometido fora do território nacional.

PRINCÍPIOS PARA A APLICAÇÃO DA EXTRATERRITORIALIDADE

Princípio da nacionalidade ou personalidade ativa: aplica-se a lei brasileira ao crime cometido por brasileiro fora do Brasil, não importando se o sujeito passivo (vítima) é brasileiro ou se o bem jurídico afeta interesse nacional, pois o único critério levado em conta é o da nacionalidade do sujeito ativo (autor do crime). Segundo esse princípio, o Brasil tem o direito de exigir dos brasileiros que se comportem sem ofender a lei brasileira, ainda que estejam eventualmente no exterior.

EXEMPLO: CP, art. 7º, II, “b”.

Princípio da nacionalidade ou personalidade passiva: aplica-se a lei brasileira ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil. O que interessa é a nacionalidade da vítima (sujeito passivo) e não do autor do crime (sujeito ativo). Se a vítima é brasileira, aplica-se a lei brasileira.

EXEMPLO: CP, art. 7º, § 3º.

Princípio real, da defesa ou proteção: aplica-se a lei brasileira ao crime cometido fora do Brasil, que afete interesse nacional. O que interessa é a defesa ou proteção do interesse nacional.

EXEMPLO: CP, art. 7º, I, “a”, “b” e “c”.

Princípio da justiça universal, da universalidade, da justiça cosmopolita, da jurisdição universal, da jurisdição mundial, da representação universal ou da universalidade do direito de punir: todo país tem o direito de punir qualquer crime, seja qual for a nacionalidade do agente ou da vítima ou o local da prática do crime, desde que o criminoso venha para o território do país. É como se o planeta se constituísse em um só território para efeitos de repressão criminal.

EXEMPLO: CP, art. 7º, I, “d”, e II, “a”.

Princípio da representação: a lei penal brasileira se aplica aos delitos cometidos em aeronaves e embarcações brasileiras privadas quando realizados no estrangeiro e aí não venham a ser julgados.

EXEMPLO: CP, art. 7º, II, “c”.

EXTRADIÇÃO

Conceito de extradição: é o instrumento jurídico pelo qual um país envia uma pessoa que se encontra em seu território a outro Estado soberano, a fim de que neste seja julgada ou receba a imposição de uma pena já aplicada.

Diferenças entre extradição, entrega, deportação e expulsão (resumidamente):

Extradição: ocorre quando um país apresenta um cidadão para ser julgado ou punido por outro país, quando, em tese, cometera crime. Na extradição, há relação de igualdade entre os dois países;

Entrega: ocorre quando um país apresenta um cidadão para ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) quando, em tese, cometera crime. Na entrega, há relação de submissão do país que apresenta o cidadão em relação ao TPI;

Deportação: estrangeiro entra ou permanece irregularmente num país e é removido compulsoriamente;

Expulsão: o Presidente da República, mediante decreto, expulsa estrangeiro que atente contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou que esteja agindo de forma a lesar a conveniência e os interesses nacionais.

PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À EXTRADIÇÃO

Princípio da não extradição de nacionais: nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes (CF, art. 5º, LI).

Princípio da exclusão de crimes não comuns: estrangeiro não poderá ser extraditado por crime político ou de opinião (CF, art. 5º, LII).

Princípio da prevalência dos tratados: no conflito entre a lei reguladora da extradição e o respectivo tratado que também regule a extradição, o tratado deverá prevalecer.

Princípio da legalidade: somente cabe extradição nas hipóteses expressamente previstas na lei que regula a extradição e apenas em relação aos crimes especificamente apontados em tal lei.

Princípio da dupla tipicidade: deve haver semelhança ou igualdade entre as condutas previstas como crimes pela legislação brasileira e pelas leis do país que solicita a extradição, ainda que os países denominem os crimes de maneiras diferentes.

Princípio da preferência da competência nacional: havendo conflito entre a justiça brasileira e a estrangeira, prevalecerá a competência nacional.

Princípio da limitação em razão da pena: não será concedida a extradição para países onde a pena de morte e a prisão perpétua são previstas, a menos que deem garantias de que não irão aplicá-las.

Princípio da detração: o tempo em que o extraditando permaneceu preso no Brasil, aguardando o julgamento do pedido de extradição, deve ser considerado quando for cumprir a pena no país estrangeiro.

JURISDIÇÃO PRINCIPAL E SUBSIDIÁRIA

Jurisdição principal: nas hipóteses dos arts. 5º (territorialidade) e 7º, I (extraterritorialidade incondicionada), do Código Penal, a jurisdição brasileira será exercida mesmo que o agente tenha sido julgado no estrangeiro, pouco importando se foi condenado ou absolvido no estrangeiro ou mesmo se ali já cumpriu pena.

Jurisdição subsidiária: nas hipóteses do art. 7º, II, e § 3º (ambas de extraterritorialidade condicionada), do Código Penal, a jurisdição brasileira será exercida apenas subsidiariamente, ou seja, a jurisdição estrangeira irá preponderar sobre a brasileira se o autor do crime tiver sido julgado no estrangeiro e, se o agente foi absolvido ou tiver cumprido pena integralmente no país estrangeiro, ele não será punido no Brasil (vide as condições cumulativas do CP, art. 7º, § 2º).

ATENÇÃO: se, no caso de jurisdição principal, o agente foi condenado no estrangeiro e também no Brasil, cumprindo apenas parcialmente a pena no estrangeiro, essa pena, se de igual natureza (privativa de liberdade, por exemplo), será computada no Brasil, ou, se de diferente natureza (privativa de liberdade e restritiva de direitos), será atenuada (diminuída) no Brasil.

CP, art. 8º

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: 24ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020 – versão digital.


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Lucas Cotta de Ramos

👨🏻‍💼 Advogado, professor e autor de artigos jurídicos.