A inconstitucionalidade da garantia do juízo como requisito para oposição de embargos à execução fiscal

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Disciplina o art. 16, § 1º, da Lei nº 6.830/1980 – Lei de Execuções Fiscais que “Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução“. Uma leitura fria desse dispositivo, reconhece-se, levaria à conclusão de que a garantia da execução (depósito em juízo do valor integral da quantia executada) seria condição de admissão dos embargos eventualmente interpostos. Contudo, defende-se, tal exigência é inconstitucional, sendo, pois, indevida.

Com efeito, a premissa acima visa, em homenagem a direitos fundamentais, garantir o contraditório e a ampla defesa em caso de insuficiência de condição financeira da parte para garantir a execução, também valendo para assegurar o recebimento e processamento dos embargos ainda que em casos de garantia parcial ou até mesmo de ausência total de garantia, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais adotando entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA INSUFICIENTE – POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR – ORIENTAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E INTERPRETAÇÃO DA REGRA DO ART. 15, II, DA LEI FEDERAL Nº 6.830/80 – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Segundo a orientação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível o recebimento dos embargos à execução fiscal, ainda que insuficiente a garantia do juízo. 2. Recurso não provido.  (TJMG –  Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.17.055097-4/001, Relator(a): Des.(a) Audebert Delage , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/08/2017, publicação da súmula em 30/08/2017) – grifou-se.

No mesmo sentido também é o entendimento de outras cortes pátrias:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA INSUFICIENTE. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DOS EMBARGOS, TENDO EM VISTA A AUSÊNCIA DE OUTROS BENS OU VALORES DE PROPRIEDADE DA EMBARGANTE. A penhora parcial do valor executado não impede o recebimento dos embargos à execução, mormente quando inexistente prova da existência de outros bens passíveis de penhora, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa em caso de insuficiência da condição financeira para garantia do juízo. Ademais, a Lei de Execuções Fiscais prevê, no inciso II de seu art. 15, a possibilidade de reforço da penhora insuficiente, em qualquer fase do processo. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70067976100, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 21/01/2016) – grifou-se.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA INSUFICIENTE. VALOR ÍNFIMO. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DOS EMBARGOS. – A penhora parcial do valor executado, via de regra, não impede o recebimento dos embargos à execução, quando existente prova da insuficiência financeira e de outros bens passíveis de penhora. É inaceitável, no entanto, o recebimento dos embargos quando a penhora recai sobre valor ínfimo, porquanto não configura segurança do juízo. – “Conquanto a insuficiência patrimonial do devedor seja justificativa plausível à apreciação dos embargos à execução sem que o executado proceda ao reforço da penhora, deve ser a mesma comprovada inequivocamente” (REsp 1.127.815/SP, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC), situação que não encontra amparo nos autos. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível Nº 70064483746, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 27/04/2015) – grifou-se.

Desse modo, a exigência da garantia da execução como condição de admissibilidade dos embargos à execução fiscal é inconstitucional, pois colide com o princípio da inafastabilidade da jurisdição estabelecido pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XXXV, in verbis: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito“.

Como sabido, o acesso ao Judiciário não se restringe ao direito de ação, implicando, também, na garantia do direito de defesa, de acordo com o que assevera José Afonso da Silva:

O art. 5º, XXXV, consagra o direito de invocar a atividade jurisdicional, como direito público subjetivo. Não se assegura aí apenas o direito de agir, o direito de ação. Invocar a jurisdição para a tutela de direito é também direito daquele contra quem se age, contra quem se propõe a ação. Garante-se a plenitude de defesa, agora mais incisivamente assegurada no inc. LV do mesmo artigo (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000).

Não obstante, a Constituição também consolida os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa ao preceituar, em seu art. 5º, LIV e LV, respectivamente, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes“.

Diante disso, restando claro que os princípios mencionados visam garantir ao indivíduo o livre acesso ao Poder Judiciário, sem condicionantes ou limitações, para o exercício de seus direitos, tem-se que condicionar o ingresso dos embargos à execução fiscal a prévia garantia do débito ofende a Constituição Federal.

Isso porque os embargos à execução fiscal são o meio de resistência do executado, em que poderá alegar qualquer matéria de defesa, vez que na execução fiscal, em si, não é cabível maior dilação probatória, cabendo apenas se alegar matérias conhecíveis de ofício pelo julgador.

Nesse contexto, vale observar que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a inconstitucionalidade da exigência de garantia do débito como condição para a admissibilidade de recurso administrativo, editando a Súmula Vinculante nº 21: “é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévio de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo“.

Ora, se na esfera administrativa não pode haver limitação ao direito de defesa, condicionando-o à garantia do débito, menos ainda poderá havê-lo como limite ao exercício do direito de defesa em juízo, vez que incumbe ao Poder Judiciário a solução final da lide, inclusive realizando, quando provocado, o controle dos atos administrativos.

Por fim, o próprio Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre a inconstitucionalidade da exigência de depósito prévio como condição para ações judiciais de natureza tributária, editando a Súmula Vinculante nº 28, que dispõe que “é inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário“.

A súmula acima teve como precedente a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADIN nº 1074-3, em que se declarou a inconstitucionalidade do art. 19, caput, da Lei nº 8.870/1994, que exige depósito prévio para ações judiciais que discutem débito com o Instituto Nacional da Seguridade Social – INSS, por ofensa ao art. 5º, XXXV e LV da Constituição Federal.

A procedência da ação acima, assevera-se, demonstra também, genericamente, a inconstitucionalidade da exigência de garantia do débito para ingresso dos embargos à execução fiscal, pois os fundamentos são aplicáveis de igual modo a essa hipótese.

Assim, na esteira do que aduz Rodrigo Fernandes Lobo da Silva em artigo publicado no site Jus.com.br, cujos fundamentos foram acima replicados, tem-se por inconstitucional a exigência de garantia da execução como condição de admissibilidade dos embargos à execução (Lei das Execuções Fiscais – art. 16, § 1º), de modo que esse requisito legal, em leitura sob a ótica constitucional, merece ser afastado, sob pena de violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.


Em julho de 2019, após a edição do presente artigo, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, em apreciação ao REsp 1.487.772-SE, de relatoria do Ministro Gurgel de Faria, entendeu que deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal caso comprovado inequivocamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito em execução.


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Lucas Cotta de Ramos

👨🏻‍💼 Advogado, professor e autor de artigos jurídicos.