LUCAS COTTA DE RAMOS
HERANÇA DIGITAL: SUCESSÃO DO PATRIMÔNIO CIBERNÉTICO
CARATINGA
DOCTUM
2017
LUCAS COTTA DE RAMOS
HERANÇA DIGITAL: SUCESSÃO DO PATRIMÔNIO CIBERNÉTICO
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Rede Doctum de Caratinga, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.
Área de Concentração: Direito de Família.
Orientador: Prof. Msc. Rafael Firmino Soares.
CARATINGA
DOCTUM
2017
RESUMO
O presente trabalho monográfico tem por objeto a análise da legalidade e da viabilidade da sucessão causa mortis das relações jurídicas travadas em ambiente digital, bem como se ao menos parte das referidas relações jurídicas constitui-se como bens, e, caso positivo, se essa parcela pode ser enquadrada no conceito clássico de patrimônio. Visa abordar, também, se a parcela das “coisas” digitais desprovida de caráter econômico pode ser objeto, ao menos, da sucessão testamentária.
Faz-se, então, uma abordagem dos conceitos de patrimônio e de bens em sentido amplo, bem como das coisas e dos bens em sentido estrito. Aborda-se, ainda, a classificação dos bens em sentido amplo, com enfoque nos bens patrimoniais e extrapatrimoniais. Trata-se, também, da informação como um bem jurídico relevante. Estuda-se, ainda, o Direito das Sucessões e sua evolução histórica, bem como os conceitos de sucessão legítima e testamentária, de herança, de cujus, espólio e legado, tratando também do princípio da indivisibilidade da herança, e, ainda, dos herdeiros legítimos e necessários.
Aborda, também, noções gerais do Direito Digital e de suas características, bem como a evolução tecnológica digital, sem perder de vista a abrangência do Direito Digital para além da Internet. Trata da sociedade digital, abordando o processo histórico de digitalização da sociedade, e ainda a origem e evolução da Internet.
Por fim, aborda-se o ponto central do trabalho, a herança digital, ou seja, se seria possível a sucessão causa mortis das relações jurídicas travadas e/ou armazenadas em ambiente virtual.
Palavras-chave: herança digital; sucessão; patrimônio digital; direito digital.
ABSTRACT
The purpose of this monographic work is to analyze the legality and viability of the succession causa mortis of legal relationships in a digital environment, as well as whether at least part of said legal relationships constitute assets and, if so, if that portion can be framed in the classic concept of equity. It also aims to address whether the share of digital “things” devoid of economic character can at least be the subject of testamentary succession.
An approach is then taken to concepts of heritage and goods in a broad sense, as well as of things and goods in the strict sense. It also addresses the classification of goods in a broad sense, with a focus on assets and off-balance sheet assets. It also deals with information as a relevant legal asset. It also examines the Law of Succession and its historical evolution, as well as the concepts of succession, legitimate and testamentary, inheritance, cujus, estate and legacy, also dealing with the principle of the indivisibility of inheritance, and also of legitimate and necessary heirs.
It also addresses general notions of Digital Law and its characteristics, as well as digital technological evolution, without losing sight of the scope of Digital Law beyond the Internet. It addresses the digital society, addressing the historical process of digitization of society, as well as the origin and evolution of the Internet.
Finally, we address the central point of the work, the digital inheritance, that is, if it would be possible to succession causa mortis of the “things” stored in a virtual environment.
Keywords: digital inheritance; succession; digital heritage; digital rights.
SUMÁRIO
CAPÍTULO I – PATRIMÔNIO, BENS E DIREITO DAS SUCESSÕES. 15
1.1.3 Objeto das relações jurídicas: coisas e bens. 21
1.2.2 Direito das Sucessões no Direito Romano. 24
1.2.4 Ideia central do Direito das Sucessões. 27
1.2.5 Herança, De cujus e Espólio. 29
1.2.6 O princípio da indivisibilidade da herança. 30
1.2.8 Sucessão legítima e testamentária e ordem de vocação hereditária. 34
1.2.9 Testamento e as disposições de caráter não patrimonial 35
1.2.10 Herdeiros legítimos, herdeiros necessários e conceito legal de legítima. 37
CAPÍTULO II – DIREITO DIGITAL. 39
2.2 Características do Direito Digital 43
2.3 Abrangência do Direito Digital: para além da Internet 44
2.4 Sociedade digital: digitalização da sociedade e das relações jurídicas. 44
2.4.1 Processo histórico de digitalização da sociedade. 44
2.4.2 A origem e evolução da Internet 48
2.4.3 Sociedade moderna digital 51
2.4.4 Relações jurídicas digitais como bens e como patrimônio. 53
CAPÍTULO III – PATRIMÔNIO DIGITAL E SUCESSÃO DOS BENS DIGITAIS. 54
3.3 A informação como bem jurídico. 57
3.4 Bens digitais patrimoniais. 60
3.5 Bens digitais existenciais. 62
3.6 Bens digitais patrimoniais-existenciais. 64
3.7 A morte e os bens digitais. 64
Dedicatória
Dedico esse trabalho ao meu saudoso avô José Orlando Cotta, que, até nos mais difíceis momentos, sempre manteve a sua dignidade inabalada, mesmo em ocasiões em que tudo tinha a ganhar e nada tinha a perder, o que demonstra que ainda é possível ter esperança no homem, que, por mais falho que seja, guarda no seu âmago a bondade e a noção metafísica de justiça.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente à Força Criadora do Universo, que também é energia motriz de todos os seres existentes, dentre eles os conscientes.
A toda a minha família, sobretudo meus pais, Afonso e Brígida, que sempre me forneceram todo o apoio intelectual, moral e material para que lograsse minhas conquistas.
Aos meus colegas e chefes dos estágios jurídicos, em especial Arilson, Luciana, Ranieri, Gislene, Dr. Marco Aurélio, Dr. Marcelo, Dr. Paulo Cesar e Dra. Tamiris, que sempre compartilharam comigo seu vasto conhecimento e notável experiência, não só jurídica, mas também de vida.
A todos os meus amigos, em especial Marcklano, que, também outrora empregador, me acolheu na sua empresa desde a minha juventude para me ensinar um ofício e, mais do que isso, valores que levarei para toda a vida, e Jônatas, colega de faculdade e de estágio, que sempre apaziguou minhas incertezas e esteve comigo nos dias de luta dessa ainda não concluída jornada acadêmica.
A todos os meus professores, desde o ensino primário até a graduação, que sempre primaram pelo conhecimento, ferramenta de emancipação humana, em especial o meu orientador monográfico, Dr. Rafael Firmino Soares, que, apaixonado pelo Direito Civil e atento à evolução humana e tecnológica, instigou-me a pesquisar sobre o tema do presente trabalho.
A minha amiga e namorada Larissa, também acadêmica e pretensa esposa, que dá cor aos meus dias cinzas e, a cada conversa e encontro de olhares, ressignifica em mim o conceito de felicidade.
Por fim, quero agradecer a todos que, de alguma forma, contribuíram e acreditaram no meu desenvolvimento.
“A tecnologia tornou possível a existência de grandes populações. Grandes populações agora tornam a tecnologia indispensável”.
Joseph Wood Krutch
INTRODUÇÃO
A presente monografia, sob o tema “Herança digital: sucessão do patrimônio cibernético”, tem por objetivo analisar a juridicidade e a viabilidade da sucessão por herança das relações jurídicas digitais – assim definidas aquelas travadas e armazenadas virtualmente.
Sendo assim, levanta-se como problema a possibilidade ou não de as referidas relações jurídicas se constituírem como bens, ainda que em seu sentido amplo, e de, por sua vez, se enquadrarem no conceito clássico de patrimônio. Visa abordar, ainda, a possibilidade de disposição testamentária de sucessão de relações jurídicas sem caráter econômico.
A esse respeito, tem-se como metodologia a confecção de pesquisa teórico-dogmática, pois a presente pesquisa aborda dispositivos legais e entendimentos jurisprudenciais e doutrinários acerca desses dispositivos.
Quanto aos meios, a pesquisa é marcada pela interdisciplinaridade, porque aborda institutos do Direito Civil e do Direito Digital e, também, pela transdisciplinaridade, porquanto trabalha com conceitos da Ciência da Computação e da Tecnologia da Informação.
Como marco teórico da monografia em epígrafe, tem-se as ideias sustentadas por Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, citando Konrad Hesse, nos termos do art. 5º, XXII, da CF/88, que asseveram que o direito de propriedade, numa ótica constitucional, além de compreender os bens móveis e imóveis, “transcende à concepção privatística estrita, abarcando outros valores de índole patrimonial, como as pretensões salariais e as participações societárias”[1].
O patrimônio, por seu turno, tal qual afirmam os autores acima, ainda sob o prisma constitucional, é “entendido como soma dos valores patrimoniais ou dinheiro reunido por uma pessoa”[2].
A partir de então, encontra-se substrato à confirmação da hipótese que de que as relações jurídicas travadas em ambiente digital que tenham caráter econômico podem ser consideradas como bens, ainda que em seu sentido amplo, e de que, em assim sendo, integram o patrimônio e podem ser objeto da sucessão, bem como da hipótese de que as relações jurídicas que não tenham caráter econômico podem ser objeto da sucessão testamentária.
Nesse sentido, a presente monografia é dividida em três capítulos. O primeiro deles, denominado “Patrimônio, Bens e Direito das Sucessões”, tratará da conceituação dos referidos termos, com a diferenciação entre bens em sentido amplo, bens em sentido estrito e coisas, abordando, ainda, os bens patrimoniais e extrapatrimoniais e a informação como bem jurídico relevante. Abordará, também, aspectos do Direito das Sucessões.
O segundo capítulo, intitulado “Direito Digital”, abordará as noções gerais desse ramo do Direito, bem como de suas características e sua abrangência para além da Internet. Tratará, também, do fenômeno da sociedade digital e do processo histórico de digitalização da sociedade e da evolução tecnológica.
O terceiro e último capítulo, intitulado “Herança Digital”, por fim,
concluirá pela legalidade e viabilidade ou não do a sucessão causa mortis das coisas ou relações
jurídicas armazenadas em ambientes virtuais.
CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS
O direito de herança é o objeto de estudo do ramo da ciência jurídica intitulado “Direito das Sucessões”. Elencado como um dos diversos direitos e deveres individuais e coletivos (Constituição Federal de 1988, art. 5º, XXX), o direito de herança decorre de outro direito fundamental previsto na Carta da República, qual seja, o direito de propriedade, que, em sua concepção ampla, contempla, dentre outros, o direito autoral e o de propriedade imaterial.
O direito de propriedade, numa ótica constitucional, asseveram Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, citando Konrad Hesse, nos termos do art. 5º, XXII, da Constituição Federal, além de compreender os bens móveis e imóveis, “transcende à concepção privatística estrita, abarcando outros valores de índole patrimonial, como as pretensões salariais e as participações societárias”[3].
O patrimônio, por seu turno, tal qual afirmam os autores acima, ainda sob o prisma constitucional, é “entendido como soma dos valores patrimoniais ou dinheiro reunido por uma pessoa”[4].
O Direito Digital, por sua vez, aborda a extensão dos institutos jurídicos tradicionais ao ambiente virtual, dentre eles o próprio instituto da herança. Sobre o Direito Digital, assevera Patricia Peck Pinheiro:
O Direito Digital consiste na evolução do próprio Direito, abrangendo todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico, em todas as suas áreas (Direito Civil, Direito Autoral, Direito Comercial, Direito Contratual, Direito Econômico, Direito Financeiro, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Internacional etc.) (…). o Direito Digital traz a oportunidade de aplicar dentro de uma lógica jurídica e uniforme uma série de princípios e soluções que já vinham sendo aplicados de modo difuso – princípios e soluções que estão na base do chamado Direito Costumeiro[5].
Nessa ótica, cuida o Direito Sucessório de operacionalizar a transmissão da herança, ou patrimônio, concebidos como a universalidade de coisas do falecido (também denominado “autor da herança” ou “de cujus”), por meio da sucessão, aos seus respectivos herdeiros, quer sejam legítimos, quer sejam testamentários.
Acerca das “coisas digitais” ou “relações jurídicas digitais”, é certo que, na sociedade moderna, cresce cada vez mais a sua importância. Há pessoas que fazem de seus perfis em redes sociais verdadeiros tabloides de suas próprias vidas, compartilhando com terceiros, por vezes até desconhecidos, seus hábitos, pensamentos, gostos, convicções ideológicas, etc.
Outros, por seu turno, valem-se da rede mundial de computadores como ferramenta de trabalho, dela obtendo recursos para seu próprio sustento, desempenhando tarefas que, por vezes, são planejadas, executadas e até mesmo remuneradas em ambientes virtuais, a exemplo dos designers gráficos e programadores freelancers.
Há, ainda, aqueles que mantêm em meio digital suas próprias economias, o que hoje é possível graças às moedas virtuais existentes, que, embora não equiparadas às de curso forçado nos países, dispõem de mecanismos de segurança próprios e não menos eficazes, senão mais seguros, do que a própria moeda oficial. Menciona-se, aqui, o bitcoin, moeda virtual que ganhou notoriedade na Internet por seu alto grau de confiabilidade, graças ao fato de ser armazenada, operada e lastreada em tecnologia que emprega algoritmos matemáticos complexos.
Denota-se, pois, a existência de uma série de coisas ou relações jurídicas digitais de suma importância na conjuntura do desenvolvimento tecnológico atual. Retornando à perspectiva civilista, a doutrina clássica entende como patrimônio tudo aquilo que possa ser aferível economicamente.
Ressalta-se, ainda, a possibilidade já existente de se dispor, por testamento, de questões de caráter não patrimonial (Código Civil – CC, art. 1.857, § 2º), como, por exemplo, reconhecer filho havido fora do casamento (CC, art. 1.609, III), nomear tutor para seu filho (CC, arts. 1.634, IV, e 1.729) e reabilitar o indigno excluído da herança (CC, art. 1.859).
Indaga-se, então, se as coisas ou relações jurídicas armazenadas em meio digital (moedas virtuais, etc.) se constituiriam como bens, e, caso positivo, se seriam enquadradas também como patrimônio. Entendendo-se que sim, indaga-se, em continuidade, se tais bens digitais, agora compreendidos como patrimônio, seriam objeto da sucessão causa mortis e, se afirmativo, como seria operacionalizada a transmissão de tais bens.
Indaga-se, ainda, não obstante a resposta à hipótese acima, se as coisas ou relações jurídicas digitais desprovidas de caráter econômico, tais como contas pessoais em redes sociais, também seriam patrimônio e, ainda que não o sejam, se poderiam ser objeto da sucessão por disposição testamentária.
Indaga-se, ademais, numa ótica civilista moderna, em que não mais se lê o Direito Civil unicamente sob o prisma patrimonial, mas, também e sobretudo, sob o aspecto do indivíduo (esse titular de direitos da personalidade), se seria prudente restringir o Direito Sucessório apenas às questões patrimoniais.
Parece haver uma série de bens digitais que podem ser passíveis de integrarem o patrimônio de qualquer indivíduo, porque seriam suscetíveis de valoração econômica, afigurando-se lícito cogitar de que tais bens possam compor o espólio do falecido e devam ser sopesados na sucessão, seja ela testamentária ou legítima, tal como ocorre com os demais bens, notadamente porque regularmente adequados a um conceito tradicional de patrimônio.
Sem prejuízo de constatar-se que devam certos bens armazenados em meio virtual serem considerados patrimônio, porque dotados de valor econômico, operando-se, quanto a eles, os efeitos da sucessão, atenta-se, na oportunidade, para a tese de que o Direito Sucessório deve abarcar mais do que questões estritamente patrimoniais, merecendo abranger, também, elementos extrapatrimoniais, incluindo aqueles bens desprovidos de caráter econômico.
Em suma, faz-se o seguinte questionamento: seria cabível a sucessão causa mortis das coisas/bens/relações
jurídicas digitais?
CAPÍTULO I – PATRIMÔNIO, BENS E DIREITO DAS SUCESSÕES
1.1 Patrimônio e Bens
1.1.1 Noções gerais
Ao Direito Civil incumbe reger as relações entre os particulares. É um dos ramos do Direito Privado “destinado a regulamentar as relações de família e as relações patrimoniais que se formam entre os indivíduos encarados como tal, isto é, tanto quanto membros da sociedade”[6].
São objeto de estudo do Direito Civil tanto as relações puramente pessoais, também quanto as patrimoniais. Importantes institutos, tais como o poder familiar, se encontram no campo das relações puramente pessoais. Já no campo das relações patrimoniais, por seu turno, compreendem-se todas aquelas que apresentam um interesse econômico e visam à utilização de determinados bens [7].
Embora haja outras leis civis no país, o Código Civil de 2002, sucessor do Código Civil de 1916, seguindo a tendência mundial das codificações, reúne em seu corpo um compêndio de normas civis suficientemente aptas a reger, ou ao menos nortear, as relações no campo privado.
O códex vigente, conforme assevera Carlos Roberto Gonçalves, “tem, como princípios básicos, os da socialidade, a eticidade e a operabilidade”[8].
Sobre o princípio da socialidade, é a lição de Gonçalves, destacando a convergência da concepção patrimonialista do Direito Civil para uma concepção humanista:
O princípio da socialidade reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana.
Com efeito, o sentido social é uma das características mais marcantes do novo diploma, em contraste com o sentido individualista que condiciona o Código Beviláqua. Há uma convergência para a realidade contemporânea, com a revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do direito privado tradicional, como enfatiza Miguel Reale: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador.
Essa adaptação passa pela revolução tecnológica e pela emancipação plena da mulher, provocando a mudança do “pátrio poder” para o “poder familiar”, exercido em conjunto por ambos os cônjuges, em razão do casal e da prole. Passa também pelo novo conceito de posse (posse-trabalho ou posse pro labore), atualizado em consonância com os fins sociais da propriedade, e em virtude do qual o prazo da usucapião é reduzido, conforme o caso, se os possuidores nele houverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico[9].
Já sobre o princípio da eticidade, destaca:
O princípio da eticidade funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores. Prioriza a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos. Confere maior poder ao juiz para encontrar a solução mais justa ou equitativa. Nesse sentido, é posto o princípio do equilíbrio econômico dos contratos como base ética de todo o direito obrigacional.
Reconhece-se, assim, a possibilidade de se resolver um contrato em virtude do advento de situações imprevisíveis, que inesperadamente venham alterar os dados do problema, tornando a posição de um dos contratantes excessivamente onerosa[10].
Quanto ao princípio da operabilidade, assevera:
O princípio da operabilidade, por fim, leva em consideração que o direito é feito para ser efetivado, para ser executado. Por essa razão, o novo Código evitou o bizantino, o complicado, afastando as perplexidades e complexidades. Exemplo desse posicionamento, dentre muitos outros, encontra-se na adoção de critério seguro para distinguir prescrição de decadência, solucionando, assim, interminável dúvida.
No bojo do princípio da operabilidade está implícito o da concretitude, que é a obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, mas, tanto quanto possível, legislar para o indivíduo situado: para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto um ser subordinado ao poder familiar. Em mais de uma oportunidade o novo Código optou sempre por essa concreção, para a disciplina da matéria[11].
Em tutelando vários institutos de nítida natureza civil, tais como a família, a propriedade e o contrato, a Constituição guarnece tais institutos de sua proteção. Fala-se, assim, no fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil, explicado por Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, citando o eminente Luís Roberto Barroso, Ministro do Supremo Tribunal Federal:
Com aguçado senso crítico, o eminente Luís Roberto Barroso, ao tratar sobre a efetividade das normas constitucionais, dispara: “A verdade, no entanto, é que a preocupação com o cumprimento da Constituição, com a realização prática dos comandos nela contidos, enfim, com a sua efetividade, incorporou-se, de modo natural, à prática jurídica brasileira pós-1988. Passou a fazer parte da pré-compreensão do tema, como se houvéssemos descoberto o óbvio após longa procura. A capacidade – ou não – de operar com as categorias, conceitos e princípios de direito constitucional passou a ser um traço distintivo dos profissionais das diferentes carreiras jurídicas. A constituição, liberta da tutela indevida do regime militar, adquiriu força normativa e foi alçada, ainda que tardiamente, ao centro do sistema jurídico, fundamento e filtro de toda a legislação infraconstitucional. Sua supremacia, antes apenas formal, entrou na vida do país e das instituições”[12].
Evolui-se, portanto, para um Direito Civil Constitucional, pois a leitura dos dispositivos constantes das normas civis agora passa pela égide da Carta Magna, de modo que as normas com ela incompatíveis são consideradas inconstitucionais.
A mudança do Direito Civil também se dá no seu objeto. Hodiernamente, o Direito Civil é tido como o ramo do Direito Privado que lida com o patrimônio. Contudo, com a vigência da Constituição da República de 1988, desloca-se o patrimônio do centro do Direito Civil para ali colocar-se o indivíduo. Cuida-se, portanto, do fenômeno da despatrimonialização do Direito Privado, que culmina na sua humanização.
Com a evolução do Direito Civil, o direito à vida digna passa a se tornar, então, pressuposto dos direitos da personalidade, conforme a lição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves:
Esclarece lucidamente Roberto Sense Lisboa que “todos os direitos da personalidade decorrem da existência, ainda que pretérita, da vida”, permitindo antever a existência de um pressuposto lógico aos direitos da personalidade.
Assim sendo, é possível vislumbrar o direito à vida digna (dignidade da pessoa humana), a partir da intelecção do art. 1º, III, da Constituição da República, como o pressuposto lógico da personalidade humana e, consequentemente, dos próprios direitos da personalidade. Enfim, é verdadeira cláusula geral de proteção da personalidade, nos moldes da necessária proteção genérica da personalidade humana mencionada alhures e também encontrada no ordenamento português e no italiano.
Nessa linha de intelecção, Gustavo Tepedino percebe que as regras constitucionais “condicionam o intérprete e o legislador ordinário, modelando todo o tecido normativo infraconstitucional com a tábua axiológica eleita pelo constituinte”, impondo uma nova leitura dos direitos da personalidade e marcando a presença de uma verdadeira cláusula geral da personalidade (a dignidade da pessoa humana)[13].
Especificamente acerca do fenômeno da despatrimonialização do Direito Civil, ressaltam os sobreditos autores:
Ora, a despatrimonialização do direito privado e a necessária repersonalização do ser humano concorrem simultaneamente para o reconhecimento de um novo conteúdo, uma nova estrutura interna, do Direito Civil, que passa a estar vocacionado à tutela privilegiada e avançada da pessoa humana, projetada em suas múltiplas, variadas, complexas e multifacetadas atividades diárias.
A defesa da vida com dignidade é objetivo constitucionalmente assegurado pelo Poder Público. Por isso, funciona como verdadeira cláusula geral, que serve como motor de impulsão de tudo o que vem expresso na ordem constitucional ou mesmo infraconstitucional[14].
Nessa toada, como já dito, o indivíduo assume papel central no Direito Civil, de modo que o patrimônio passa a ser apenas um dos direitos inerentes à pessoa humana, relacionados à sua personalidade. O patrimônio consiste, nessa ótica, na faceta econômica da personalidade do indivíduo. Daí porque não se perde de vista a importância da tutela do patrimônio para o Direito Civil, merecendo sê-lo aqui conceituado.
1.1.2 Patrimônio
No Direito Moderno, assim como no Direito Romano, são distinguidas, ao menos, duas categorias de direito: direitos reais e direitos obrigacionais.
Assevera Sílvio de Salvo Venosa que os direitos obrigacionais têm em mira o crédito, “consistindo em uma faculdade, relação transitória entre um credor e um devedor que tem por objeto prestação devida por este àquele, podendo ser de dar, de fazer e não fazer alguma coisa”[15].
O renomado autor assevera, ainda:
Que o direito real é uma faculdade que pertence a uma pessoa, com exclusão de qualquer outra, incidente diretamente sobre uma coisa determinada, oponível erga omnes, isto é, perante todos. É o direito de propriedade o mais amplo direito real, ao lado dos demais, como as servidões, o usufruto, os direitos reais de garantia (penhor, hipoteca)[16].
Conclui Venosa, então, que o patrimônio é o conjunto de tais direitos obrigacionais e reais, anotando que tal conceito abrange somente os direitos pecuniários:
O patrimônio é o conjunto de direitos reais e obrigacionais, ativos e passivos, pertencentes a uma pessoa. O patrimônio engloba tão-só os direitos pecuniários. Os direitos puros da personalidade (…), não devem ser considerados como de valor pecuniário imediato[17].
Caio Mário da Silva Pereira, por seu turno, esclarece que o conceito de patrimônio não é pacífico entre os juristas modernos. Aduz que, segundo a noção corrente, “patrimônio seria o complexo das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis economicamente” [18] – grifou-se.
Adverte, contudo, que essa definição não goza da aprovação unânime dos juristas, mas tem, ao menos, o “duplo mérito de abranger todos os bens e direitos na expressão conjunto das relações jurídicas, sem, contudo, se dispersar numa abstração exagerada”[19].
Para Caio Mário, a posição mais acertada é a de que patrimônio não é apenas o conjunto de bens. Explica que, “no comércio social, os indivíduos travam relações que produzem efeitos econômicos, ora adquirindo a faculdade de exigir uma prestação, ora assumindo, a seu turno, o compromisso de prestar” [20]. Eis porque o autor conclui que qualquer uma dessas operações, de ambas as categorias, tem um reflexo patrimonial.
Assim, conceituando o patrimônio como apenas o conjunto de bens, se estaria incluindo nesse conceito os créditos, mas, por outro lado, excluir-se-iam as obrigações. É que, para Caio Mário, o patrimônio compõe-se de um lado positivo, quando indivíduos adquirem a faculdade de exigir uma prestação (crédito), e de outro lado negativo, quando indivíduos assumem, a seu turno, o compromisso de prestar (débito).
Destaca Caio Mário a importância do conceito de um patrimônio negativo, tanto para os economistas, quando aferem as condições econômicas de uma empresa, por exemplo, quanto para os juristas, quando necessitam apurar a solvência de um devedor. Daí porque, segundo o sobredito autor, é ultrapassada a concepção de que o patrimônio abrangeria apenas os créditos de alguém, desprezando-se seus débitos.
Do contrário, em se admitindo que o patrimônio seria composto apenas por um saldo positivo, no caso de uma pessoa que tem saldo positivo igual ao seu saldo negativo, não haveria, portanto, saldo, e então se chegaria ao absurdo da negação do patrimônio[21].
Assim, em leitura à obra do saudoso autor, chega-se à conclusão de que o conceito de patrimônio contempla tanto os créditos quanto os débitos de uma pessoa, seja ela física ou jurídica.
Quanto às demais características do patrimônio, esclarece Caio Mário que “a doutrina nacional sustenta que o patrimônio é uno e indivisível no sentido de que não é possível conceber a sua pluralidade na mesma pessoa”[22]. Portanto, conclui o autor que não se pode admitir que uma só pessoa tenha “dois patrimônios”.
Não ignora o jurista, contudo, que hajam casos em que, realmente, pareça haver uma pluralidade ou divisibilidade do patrimônio, como nas hipóteses de comunhão parcial, de substituições fideicomissárias, de sucessões anômalas e de falência. Todavia, esclarece o autor, citando Clóvis Beviláqua, que, nesses casos, não há pluralidade de patrimônio, mas apenas “a distinção de bens de procedência diversa no mesmo patrimônio”[23].
Ainda, adverte Caio Mário que o patrimônio, embora consista no conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis economicamente, não compreende todos os direitos de alguém. Reforça que o patrimônio compreende “somente aquelas relações jurídicas que tenham expressão pecuniária, isto é, que se possam converter em crédito financeiro, para alguém, se já o não forem desde o início” [24]– com grifos.
Assim, os direitos de família puros, como o poder familiar e o estado de filiação, bem como os direitos de ordem política ou os direitos sobre a própria pessoa (à existência, à honra, à liberdade) não são economicamente apreciáveis e, nessa condição, são direitos não patrimoniais, ou seja, relações jurídicas que não entram no patrimônio do indivíduo[25].
Essa noção de que o patrimônio compreende as relações jurídicas que tenham expressão pecuniária, isto é, que sejam dotadas de valor econômico, assume especial relevância para o presente trabalho, conforme se demonstrará.
Por fim, Caio Mário leciona que os bens e direitos que compõem o patrimônio podem ser objeto de transferência de uma a outra pessoa, ressalvando que o patrimônio, em si, não pode ser transmitido por ato inter vivos. Por outro lado, cuidando-se de sucessão causa mortis, esclarece o autor que, nesse caso, o patrimônio, a título universal, é que é transmitido, e não apenas os bens e direitos que o compõem[26].
1.1.3 Objeto das relações jurídicas: coisas e bens
Em abrangendo o patrimônio todas as relações jurídicas que tenham expressão pecuniária, é importante definir e diferenciar, então, os conceitos de “coisas” e de “bens” enquanto objetos dos direitos. Caio Mário estabelece uma conceituação ampla para o termo “bem”. Segundo o autor:
Bem é tudo aquilo que nos agrada: o dinheiro é um bem, como o é a casa, a herança de um parente, a faculdade de exigir uma prestação; bem é ainda a alegria de viver o espetáculo de um pôr-do-sol, um trecho musical; bem é o nome do indivíduo, sua qualidade de filho, o direito à sua integridade física e moral[27].
Adverte Caio Mário, contudo, que nem todo “bem” é um “bem jurídico”. Com efeito, na categoria de “bens jurídicos”, estão “a satisfação de nossas exigências e de nossos desejos, quando amparados pela ordem jurídica”[28]. Todavia, conforme o autor, não são “bens jurídicos” os bens morais, as solicitações estéticas, os anseios espirituais.
São bens jurídicos, antes de tudo, os de natureza patrimonial. Tudo que se pode integrar ao patrimônio é um bem, a saber, um bem econômico. Entretanto, o grupo dos bens jurídicos não se compõe apenas de bens econômicos, abrangendo também outros bens sem expressão patrimonial, como o estado de filiação, o direito ao nome e o pátrio poder.
Os bens jurídicos, em sentido amplo, são objeto dos direitos. Todavia, em sentido estrito, o conceito de “bens jurídicos” suporta uma distinção, que separa os “bens” propriamente ditos das “coisas”, que se distinguem em razão de sua materialidade ou de sua imaterialidade.
Com efeito, se por um lado as “coisas” são materiais ou concretas, por outro lado os “bens” são imateriais ou abstratos. Como exemplos, cita Caio Mário que uma casa e um animal de tração são “coisas”, “porque concretizado cada um em uma unidade material e objetiva, distinta de qualquer outra”, enquanto um direito de crédito é um bem[29].
Adverte o autor, contudo, que nem tudo que é corpóreo e material é coisa. Cita o exemplo do corpo humano, que, apesar de sua materialidade, não é coisa, “porque o homem é sujeito dos direitos, e não é possível separar a pessoa humana, dotada do requisito da personalidade, de seu próprio corpo”[30].
1.2 Direito das Sucessões
1.2.1 Noções gerais
O direito de herança é o objeto de estudo do ramo da ciência jurídica intitulado “Direito das Sucessões” ou “Direito Sucessório”. Previsto no rol dos direitos e deveres individuais e coletivos (CF/88, art. 5º, XXX), o direito de herança decorre de outro direito fundamental elencado na Carta Magna, a saber, o direito de propriedade, o qual, em seu sentido amplo, abrange, dentre outros, o direito autoral e de propriedade imaterial.
Não se confundem, aqui, as expressões “direito de propriedade” e “patrimônio”. Numa ótica constitucional, asseveram Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, citando Konrad Hesse, que o direito de propriedade, nos termos do art. 5º, XXII, da Carta da República, além de compreender os bens móveis e imóveis, “transcende à concepção privatística estrita, abarcando outros valores de índole patrimonial, como as pretensões salariais e as participações societárias”[31].
A título de Direito Comparado, salienta-se que, no Direito Alemão, o conceito de propriedade é extenso, compreendendo o “direito de construção, títulos com juros prefixados, ações, licença de exploração mineral, direitos autorais, direitos de marcas e patentes, domínio na internet, créditos privados e o direito de posse do locatário”[32].
Por seu turno, como afirmam os autores acima, o termo patrimônio, ainda sob o prisma constitucional, é “entendido como soma dos valores patrimoniais ou dinheiro reunido por uma pessoa”[33]. Já na seara do Direito Civil, conforme magistério de Carlos Roberto Gonçalves, citando Clóvis Beviláqua:
Os bens corpóreos e os incorpóreos integram o patrimônio da pessoa. Em sentido amplo, o conjunto de bens, de qualquer ordem, pertencentes a um titular, constitui o seu patrimônio. Em sentido estrito, tal expressão abrange apenas as relações jurídicas ativas e passivas de que a pessoa é titular, aferíveis economicamente. Patrimônio, segundo a doutrina, é o complexo das relações jurídicas de uma pessoa, que tiverem valor econômico. Clóvis, acolhendo essa noção, comenta: “Assim, compreendem-se no patrimônio tanto os elementos ativos quanto os passivos, isto é, os direitos de ordem privada economicamente apreciáveis e as dívidas. É a atividade econômica de uma pessoa, sob o seu aspecto jurídico, ou a projeção econômica da personalidade civil”[34].
Nessa perspectiva, o Direito das Sucessões cuida de operacionalizar a transmissão da herança, ou patrimônio – concebidos como a universalidade de coisas do falecido (também chamado “autor da herança” ou “de cujus”) –, por meio da sucessão, aos seus respectivos herdeiros[35], quer sejam legítimos, quer sejam testamentários[36].
Faz-se imperioso salientar que, dentre as duas espécies de sucessão, a saber, sucessão causa mortis e por ato inter vivos, restringe-se o Direito das Sucessões a abarcar apenas a primeira delas.
1.2.2 Direito das Sucessões no Direito Romano
Em relação ao Direito Moderno, o Direito Sucessório sofreu diversas mutações ao longo de seu desenvolvimento histórico. Uma das fundamentais características do Direito Sucessório clássico era a de que o herdeiro substituía o de cujus em todas as relações jurídicas e, também, em outras relações que em nada se ligavam ao patrimônio, mas à religião.
Isso se diz porque, na antiguidade, o sucessor do de cujus era o continuador do culto familiar, pois, nos tempos remotos, a “continuação da pessoa do morto no culto doméstico era uma consequência necessária da condição assumida de ‘herdeiro’”[37].
A explicação para essa situação se relaciona com o próprio surgimento do direito de propriedade. No ponto, explica Venosa, citando Numa Denis Fustel de Coulanges:
A situação assim se apresentava porque o direito de propriedade estabeleceu-se para a efetivação de um culto hereditário, razão pela qual não se podia extinguir pela morte do titular. Deveria sempre haver um continuador da religião familiar, para que o culto não se extinguisse e, assim, continuasse íntegro o patrimônio. O lar não poderia nunca ficar abandonado e, mantida a religião, persistiria o direito de propriedade[38].
Segundo a crença em Roma, berço do Direito Privado brasileiro, “a morte sem sucessor traria a infelicidade aos mortos e extinguiria o lar”[39]. É por tal motivo que o testamento sempre teve relevância em Roma e nos povos antigos. Cada família tinha seu próprio culto religioso que independia do culto geral da sociedade. Era por meio da adoção e do testamento que o romano impedia que se extinguisse a religião.
Como ressalta Venosa, ainda nesse espeque social do Direito Sucessório, “a sucessão só se operava na linha masculina, porque a filha não continuaria o culto, já que com seu casamento renunciaria à religião de sua família para assumir a do marido”[40].
Essa segregação do sexo feminino, constata Venosa, ocorria na generalidade das civilizações antigas e apresenta resquícios ainda em algumas leis modernas, que dão vantagens ao filho do sexo masculino, especialmente em decorrência da tradição arraigada no espírito dos povos latinos de valorizar mais o nascimento do filho homem.
Os ordenamentos jurídicos grego e romano admitiam as duas formas de sucessão, com ou sem testamento, mas o Direito Grego, entretanto, só admitia a sucessão por testamento na falta de filhos[41], o que, de certo modo, restringia a capacidade do autor da herança de dispor sobre os próprios bens.
Conforme anota Venosa, a sucessão testamentária era a regra no Direito Romano, dela decorrendo a grande importância do testamento à época. Como já dito, isso era consequência da necessidade de o romano ter sempre, após sua morte, uma pessoa que continuasse o culto familiar. É que, repita-se, a propriedade e o culto familiar caminhavam juntos, pois a propriedade continuava após a morte, em razão da continuidade do culto[42].
Não obstante o interesse religioso na sucessão hereditária, havia também o interesse dos credores do de cujus na herança, que tinham na pessoa do herdeiro alguém para cobrar as dívidas por aquele deixadas, já que, naquele tempo, operava-se verdadeira união entre o patrimônio do herdeiro e o do falecido. É que a divisão de patrimônios do de cujus e do herdeiro, adotada pelo Direito Brasileiro, surgiu muito mais tarde no curso da história[43].
A necessidade de existência de um herdeiro era tamanha que, na sua ausência, além do problema religioso, os credores do de cujus podiam livremente tomar posse de seus bens, vendendo-os em sua integralidade, como uma universalidade, conduta que era chamada de bonorum venditio e, conforme a cultura à época, manchava a honra da pessoa falecida[44].
Ainda de acordo com Venosa:
A noção de sucessão universal já era bem clara no direito romano: o herdeiro recebia o patrimônio inteiro do falecido, assumindo a posição de proprietário, podendo propor ações na defesa dos bens e ser demandado pelos credores. Ao contrário do que ocorre modernamente, a sucessão por testamento não podia conviver com a sucessão por força de lei. Ou era nomeado um herdeiro pelo ato de última vontade do autor da herança, ou era, na falta de testamento, a lei quem indicava o herdeiro[45].
Pelo que se vê, a sucessão universal já era bem clara desde o Direito Romano.
1.2.3 Sucessão
Segundo Venosa, “suceder é substituir, tomar o lugar de outrem no campo dos fenômenos jurídicos. Na sucessão, existe uma substituição do titular de um direito. Esse é o conceito amplo de sucessão no direito”[46].
O autor destaca que, em havendo mudança da titularidade da relação jurídica, com uma substituição de seus titulares, enquanto o conteúdo e o objeto da relação permanecerem inalterados, diz-se que houve uma transmissão do direito, uma sucessão. Exemplifica que, assim, “o comprador sucede ao vendedor na titularidade de uma coisa, como também o donatário sucede ao doador, e assim por diante”[47].
Em outras palavras, haverá uma sucessão sempre que uma pessoa tomar o lugar de outra em uma relação jurídica. Esse é, inclusive, o sentido da etimologia da palavra sucessão (sub cedere), que significa alguém tomar o lugar de outrem[48].
No Direito, como já adiantando, existem dois tipos de sucessão: a sucessão por ato inter vivos, que, como o próprio nome sugere, deriva de um ato entre vivos, como a celebração de um contrato, por exemplo, e a sucessão causa mortis, que, como também é sugerido pela sua terminologia, deriva ou tem como causa a morte, fenômeno que implica na transmissão dos direitos e obrigações de alguém a seus herdeiros e legatários.
Assim, repita-se, o Direito das Sucessões cuida apenas da sucessão causa mortis. Esclarece Venosa que, assim como a sucessão entre vivos, a sucessão causa mortis também pode se dar a título universal, quando, pelo óbito, se transmite uma universalidade de bens do de cujus, ou seja, a totalidade de seu patrimônio, chamada, nesse caso, de sucessão hereditária.
Quando, pela morte, se transmite uma universalidade de bens do de cujus, ou seja, a totalidade de seu patrimônio, fala-se em sucessão universal, também chamada de sucessão hereditária. Daí surge a figura da herança.
Por outro lado, a sucessão a título singular ocorre quando, por via do testamento, o testador, nesse ato de última vontade, destina a uma pessoa um bem certo e determinado de seu patrimônio. Criam-se, assim, as figuras do legatário, que é o titular do direito, e do legado, que é o objeto da destinação feita no testamento[49].
1.2.4 Ideia central do Direito das Sucessões
Como se viu, a origem histórica do Direito Sucessório foi essencialmente extrapatrimonial. Contudo, o Direito moderno lê a sucessão causa mortis essencialmente em seu prisma patrimonial.
Vários são os interesses em se tutelar a sucessão causa mortis: a família tem interesse na sucessão do patrimônio do de cujus; os indivíduos têm interesse que seus bens sejam transmitidos às pessoas a eles vinculadas e o Estado tem interesse que um patrimônio não reste sem titular, o que lhe traria mais ônus, e de fomentar a produtividade dos indivíduos, que menos produziriam e menos poupariam sem o estímulo de poderem deliberar acerca do destino de seu patrimônio para além da morte.
O Estado, ainda, tem interesse em proteger as pessoas que dependiam economicamente da pessoa falecida, daí porque a lei estabelece o conceito de herdeiros necessários, garantindo-lhes a subsistência familiar. Nessa toada, o art. 1.846 do Código Civil garante que a metade dos bens da herança pertence aos herdeiros necessários, sendo que a outra metade pode ser livremente disposta pelo falecido, em vida ou em morte, por doação ou testamento.
Especificamente acerca da liberdade de dispor sobre a destinação do próprio patrimônio para além da morte, ressalta-se que esse é um valor muito caro à sociedade moderna. O instrumento para tal disposição, então, é o testamento, que, reconhece-se, não é usualmente utilizado entre os brasileiros.
Todavia, a não utilização do testamento pelos brasileiros não implica uma renúncia ou desprezo desses à liberdade de dispor sobre o próprio patrimônio. É que, conforme ressalta Venosa, a ordem de chamamento hereditário prevista na legislação vigente já atende aos anseios da maioria das pessoas, as quais dispensam, portanto, o direito de testarem, sem, contudo, deixar de terem suas vontades atendidas:
Divaga-se a respeito de porque o testamento é tão pouco utilizado entre nós. Uma primeira resposta a essa indagação é justamente porque a ordem de chamamento hereditário feito pela lei atende, em geral, ao vínculo afetivo familiar. Normalmente, quem tem um patrimônio espera que, com sua morte, os bens sejam atribuídos aos descendentes. E são eles que estão colocados em primeiro lugar na vocação legal. Entre nós é possível a convivência da sucessão legítima (a que decorre da ordem legal) com a sucessão testamentária (a que decorre do ato de última vontade, do testamento).
No Direito Romano, o princípio era diverso: a sucessão causa mortis ou se deferia inteiramente por força de testamento, ou inteiramente pela ordem de vocação legal. Isso porque o patrimônio do defunto se transmitia de forma integral. Caso o autor da herança falecesse com testamento, o herdeiro nomeado (…) seria um continuador do culto, recebendo todo o patrimônio[50].
Venosa ainda destaca a relação do Direito Sucessório com a ideia de propriedade privada, concluindo que, quanto mais amplo o tratamento legislativo acerca da propriedade, maior será o campo da sucessão:
Outra noção central no direito das sucessões é a que decorre da idéia de propriedade. Só se transferem bens e direitos pertencentes a alguém. A idéia central da sucessão deriva, portanto, da conceituação da propriedade e, como tal, sendo dela um reflexo, depende do tratamento legislativo da propriedade. Assim, tanto mais amplo será o direito sucessório quanto maior for o âmbito da propriedade privada no sistema legislativo. E vice-versa, tanto mais restrita será a transmissão sucessória quanto mais restrito for o tratamento da propriedade privada na lei[51].
É importante ressaltar que o Direito Sucessório, tal qual os demais ramos do Direito, não subsiste isolado, relacionando-se uns ramos aos outros. Isso se diz porque o Direito é uno, de modo que os institutos que compõem cada ramo inter-relacionam-se para a compreensão e aplicação de um todo.
1.2.5 Herança, De cujus e Espólio
Se por um lado a sucessão refere-se ao ato de suceder, que pode ocorrer por ato ou fato entre vivos ou por causa da morte, o termo “herança”, segundo Venosa, significa “o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, em razão da morte, a uma pessoa, ou a um conjunto de pessoas, que sobreviveram ao falecido”[52].
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXX, assegura o direito de herança e o Código Civil trata do direito das sucessões em quatro títulos: Título I: “Da Sucessão em Geral”, Título II: “Da Sucessão Legítima”, Título III: “Da Sucessão Testamentária” e Título IV: “Do Inventário e da Partilha”:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
XXX – é garantido o direito de herança;
A herança, também chamada espólio ou monte, é o patrimônio deixado pelo morto, que será transmitido aos seus herdeiros, sejam eles legítimos ou testamentários, ou a seus legatários. A herança é considerada um bem imóvel e obedece a todas as normas peculiares a esses bens. É o que se lê do art. 80, II, do Código Civil:
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I – os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II – o direito à sucessão aberta.
Falecendo o titular, transmite-se imediatamente aos herdeiros a herança, que passa a integrar o patrimônio de quem a recebeu. Desse modo, a transmissão ocorre não com a abertura do inventário ou partilha, mas sim no momento da abertura da sucessão, ainda que o herdeiro não saiba da morte do autor da herança.
A expressão de cujus, por sua vez, refere-se ao morto, de quem se trata a sucessão, remetendo ao conjunto de direitos e deveres pertencentes a ele. Em suma, o espólio é uma “simples massa patrimonial que permanece coesa até a atribuição dos quinhões hereditários aos herdeiros”[53].
A herança integra o conceito de patrimônio, devendo ser vista como o patrimônio do de cujus. Patrimônio, cumpre rememorar, segundo Venosa, é o “conjunto de direitos reais e obrigacionais, ativos e passivos, pertencentes a uma pessoa”[54]. Conclui-se, assim que, a herança é o patrimônio da pessoa falecida, qual seja, o autor da herança.
Para Venosa, seria patrimônio transmissível apenas aquele composto por coisas avaliáveis economicamente, de modo que “os direitos e deveres meramente pessoais, como a tutela, a curatela, os cargos públicos, extinguem-se com a morte, assim como os direitos personalíssimos”[55].
1.2.6 O princípio da indivisibilidade da herança
Como já dito, a herança consiste em uma universalidade de bens, direitos e obrigações, gozando de representação ativa e passiva até a partilha pelo inventariante. A herança não é dotada de personalidade própria, daí porque não é uma pessoa jurídica, haja vista que a posse e o domínio são imediatamente transferidos aos herdeiros com a morte do de cujus, o que se denomina saisine.
De acordo com o Código Civil, o direito à propriedade e à posse da herança são indivisíveis até que seja realizada a partilha, sendo reguladas pelas normas referentes ao condomínio. É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, sobre qualquer bem considerado singularmente da herança ou sem autorização judicial, se pendente a sua indivisibilidade. É o que disciplinam os arts. 1.791 e 1.793, §§ 2º e 3º do Código Civil:
Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§ 1o Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
§ 2o É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.
§ 3o Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.
Assim, ainda não operada a partilha, é lícito ao co-herdeiro alienar ou ceder apenas a sua quota ideal, ou seja, o seu direito à sucessão aberta, sendo-lhe defeso transferir a terceiro parte certa e determinada do acervo patrimonial deixado pelo de cujus. É que, apenas com a partilha, serão determinados os bens que comporão o quinhão de cada herdeiro.
Essa indivisibilidade inerente à herança autoriza, ainda, a qualquer dos co-herdeiros reclamar a universalidade daquela contra terceiro, que não pode opor-lhes, por meio de exceção, o caráter parcial do direito dos co-herdeiros nos bens da sucessão. É a cognição que se extrai do art. 1.825 do Código Civil: “A ação de petição de herança, ainda que exercida por um só dos herdeiros, poderá compreender todos os bens hereditários”.
Em aplicando-se as normas relativas ao condomínio, tem-se, ainda, que a quota hereditária não poderá ser cedida a outrem, estranho à sucessão, pelo herdeiro, se um dos co-herdeiros a quiser, tanto por tanto, podendo esse, inclusive, depositar o preço e haver para si a quota cedida ao terceiro estranho.
Fala-se, pois, em direito de preferência, de modo que, em hipóteses tais, só pode um co-herdeiro ceder a outra pessoa estranha a sua quota hereditária se antes tiver comunicado os demais co-herdeiros e esses quedarem-se silentes ou manifestarem desinteresse em adquiri-la. É o que se extrai dos arts. 1.794 e 1.795 do Código Civil:
Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto.
Art. 1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão.
Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias.
Assim, o herdeiro não pode ceder bem considerado singularmente, exceto se respaldado em autorização judicial. Pode, contudo, ainda que sem autorização judicial, ceder seu direito à sucessão hereditária ou parte dele, por instrumento de escritura pública, desde que observe o direito de preferência dos outros herdeiros.
1.2.7 Herança e Legado
Se, por um lado, de acordo com o art. 1.791 do Código Civil, “a herança defere-se como um todo unitário”, insuscetível de divisão em partes materiais enquanto permanece como tal (GONÇALVES, 2012), em benefício de um herdeiro, o legado, por seu turno, consiste em uma coisa certa e determinada deixada a alguém, denominado legatário, em testamento ou codicilo.
Conforme esclarece Carlos Roberto Gonçalves, citando Silvio Rodrigues:
“A liberalidade tem por objeto uma coisa determinada ou uma cifra em dinheiro, como no caso de o testador dispor que deixa a certa pessoa o prédio sutado em tal lugar, ou a importância de cinco mil reais, ou seu automóvel, ou seu avião, caracterizados no testamento. Na herança, ao contrário, o herdeiro sucede o de cujus, por força da lei ou de testamento, em uma universalidade, quer no total de seu patrimônio, quer em parte dele”[56].
Ainda, se o herdeiro representa o de cujus, para todos os efeitos patrimoniais, o mesmo não ocorre com o legatário, que “só responde pelas dívidas quando a herança é insolvente ou toda distribuída em legados válidos, ou quando a obrigação de atender ao passivo lhe é imposta pelo testador, expressamente”[57].
Assim, segundo Gonçalves:
O legado é o meio de que se vale o testador para cumprir deveres sociais: premiando o afeto e a dedicação de amigos e parentes, recompensando serviços, distribuindo esmolas, propiciando recursos a estabelecimentos de beneficência, contribuindo para a educação do povo, saneando localidades, amparando viúvas e órfãos, impedindo que jovens dignos de sua estima tomem na vida caminho errado, e auxiliando outros a realizar um ideal de cultura ou bem-estar[58].
Adverte Gonçalves, também, que o legado é peculiar à sucessão testamentária, de modo que inexiste legado fora de testamento. A testamentariedade dos legados, segundo Gonçalves, citando Pontes de Miranda, sempre foi reconhecida no Direito Romano[59].
Acrescenta Gonçalves, ainda, que qualquer pessoa, parente ou não, natural ou jurídica, simples ou empresária, pode ser contemplada com legado. Ainda de acordo com Gonçalves, vários bens e coisas podem ser objeto do legado, desde que sejam economicamente apreciáveis:
Podem ser objeto do legado: coisas corpóreas (imóveis, móveis, semoventes), bens incorpóreos (títulos, ações, direitos), alimentos, créditos, dívidas, todas as coisas, enfim, que não estejam fora do comércio e sejam economicamente apreciáveis. O objeto há de ser, ainda, lícito e possível, como sucede em todo negócio jurídico (CC, art. 104) (GONÇALVES, 2012, p. 327).
Se a instituição do herdeiro pode ser tácita em alguns casos, não ocorre o mesmo com o legatário, cuja nomeação deve resultar sempre de uma designação explícita pelo testador.
Quanto à nomenclatura conferida ao patrimônio deixado pelo de cujus em testamento, esclarece Gonçalves:
Pouco importa o nome que no testamento se dê à liberalidade, ou seja, se o disponente designa o herdeiro com o nome de legatário ou se, vice-versa, chama o legado de herança. Não há palavras sacramentais. O que conta é a essência da declaração pela qual se qualifica a vontade testamentária relativamente a uma pessoa ou a uma coisa. Toda vez que se deixa certo objeto, não o acervo ou parte alíquota do mesmo, toda vez que a sucessão se verifica a título particular, é de legado que se trata[60].
Como se vê, o que vale para a classificação da liberalidade do testador, se como herança ou legado, é a sua essência, e não o nome atribuído a tal liberalidade.
1.2.8 Sucessão legítima e testamentária e ordem de vocação hereditária
Ao estabelecer o Código Civil, em seu art. 1.786, que “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”, o códex elenca duas formas distintas de sucessão, considerando-se a sua fonte, podendo sê-la legítima (ab intestato) ou testamentária.
Em suma, quando a sucessão se dá em virtude da lei, chama-se de sucessão legítima. Por outro lado, quando decorre de manifestação de última vontade do de cujus, expressa em testamento ou codicilo, chama-se sucessão testamentária.
É que a própria lei estabelece uma ordem de preferência a suceder entre os sucessores do de cujus. Com efeito, o art. 1.788 do Código Civil preleciona que:
Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.
Esses herdeiros legítimos são expressamente indicados no art. 1.829 do Código Civil, de acordo com uma ordem preferencial, denominada ordem de vocação hereditária. Daí porque, conforme Gonçalves, costuma-se dizer, por isso, “que a sucessão legítima representa a vontade presumida do de cujus de transmitir o seu patrimônio para as pessoas indicadas na lei, pois teria deixado testamento se fosse outra a intenção”[61].
1.2.9 Testamento e as disposições de caráter não patrimonial
Como visto, a sucessão testamentária se dá por ato de última vontade do de cujus em testamento ou codicilo. Assim, a vontade do falecido, a quem a lei assegura a liberdade de testar, é limitada apenas pelos direitos dos herdeiros necessários e constitui a causa necessária e suficiente da sucessão.
Essa espécie de sucessão, a sucessão testamentária, permite a instituição de herdeiros e legatários, que são, repita-se, respectivamente, sucessores a título universal e particular[62].
Carlos Roberto Gonçalves, citando a clássica definição de Modestino, proveniente do direito antigo, que tem perdurado através dos séculos, sustenta que “testamento é a justa manifestação de nossa vontade sobre aquilo que queremos que se faça depois da morte” (testamentum est voluntatis nostrae justa sententia, de eo, quod quis pos mortem suam fieri velit)[63].
O Código Civil de 1916, inspirado no Código Napoleônico, definia o testamento, em seu art. 1.626, da seguinte forma: “Considera-se testamento o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio, para depois da sua morte”.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, essa definição era considerada defeituosa por omitir a possibilidade de o testamento ser utilizado pelo de cujus para outras finalidades que não disposições de bens para além da morte:
A definição era considerada defeituosa por omitir a circunstância de que o testamento pode ser utilizado pelo de cujus para diversas finalidades, e não apenas para dispor acerca de seus bens para depois de sua morte, bem como a de que se trata de negócio jurídico unilateral, personalíssimo, solene e gratuito[64].
Esclarece Carlos Roberto Gonçalves que Clóvis Beviláqua, idealizador do Código Civil de 1916, reconhecia a procedência das críticas, mas, ao mesmo tempo, afirmava que, para os fins da lei, a definição do códex revogado lhe parecia suficiente.
Esclarece Gonçalves, ainda, que essa “falha” no código anterior não pode ser imputada a Beviláqua, pois o art. 1.796 do seu projeto assim dispunha: “O testador pode dispor de todo o seu patrimônio ou de parte dele. Pode também fazer outras declarações de última vontade”. Vê-se, portanto, que, de acordo com a redação original do códex revogado, era previsto que o testamento admitia outras disposições que não aquelas estritamente patrimoniais.
Segundo Gonçalves, no entender de Beviláqua:
No seu entender [de Beviláqua], o testamento constitui “o ato personalíssimo, unilateral, gratuito, solene e revogável, pelo qual alguém, segundo as prescrições da lei, dispõe, total ou parcialmente, do seu patrimônio para depois de sua morte; ou nomeia tutores para seus filhos menores, ou reconhece filhos naturais, ou faz outras declarações de última vontade”[65].
O Código Civil de 2002 não reproduziu o art. 1.626 do diploma de 1916, mas, conforme aponta Gonçalves, a noção de testamento transparece nitidamente nos arts. 1.857, caput, e 1.858 do atual diploma, “segundo os quais o testamento constitui ato personalíssimo e revogável pelo qual alguém dispõe da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte”[66].
Reconhece Gonçalves que essa noção de testamento limita a manifestação de vontade às disposições patrimoniais, não obstante saber-se que a vontade do testador pode ser externada para outros fins que não patrimoniais, como o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento (CC, art. 1.609, III), nomeação de tutor para filho menor (art. 1.729, parágrafo único), reabilitação do indigno (art. 1.818), instituição de fundação (art. 62), imposição de cláusulas restritivas se houver justa causa (art. 1.848), etc[67].
É por tal motivo que o Código Civil de 2002, em seu art. 1.857. § 2º, disciplina que “São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado”.
Segundo Gonçalves, essa concepção de que o testamento pode abranger também outras disposições além daquelas patrimoniais acompanha o enunciado de outros códigos das nações civilizadas:
Essa concepção acompanha o enunciado de outros códigos das nações civilizadas, que em sua generalidade, compreendem o testamento como o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe total ou parcialmente de seu patrimônio, para depois de sua morte, ou faz outras declarações de última vontade[68].
Por fim, destaca Gonçalves as principais características do testamento, a saber: é ato personalíssimo, privativo do autor da herança, não podendo ser feito por procurador, nem mesmo com poderes especiais (CC, art. 1.858); constitui negócio jurídico unilateral, ou seja, aperfeiçoa-se com uma única manifestação de vontade, a do testador, e presta-se à produção de diversos efeitos por ele desejados e tutelados na ordem jurídica; é solene, só tendo validade se forem observadas todas as formalidades essenciais prescritas na lei; é ato gratuito, pois não visa à obtenção de vantagens para o testador; é essencialmente revogável (CC, art. 1.969), sendo inválida a cláusula que proíbe a sua revogação e, por fim, é ato causa mortis, só produzindo efeitos após a morte do testador[69].
1.2.10 Herdeiros legítimos, herdeiros necessários e conceito legal de legítima
Diz-se herdeiro legítimo aquele que está apto a suceder os bens do de cujus na falta de testamento. Como já dito, havendo testamento, a regra é a de que prevaleça a liberdade de testar, para que o autor da herança possa dispor livremente acerca da destinação de seu patrimônio, inclusive afastando da sucessão os herdeiros colaterais (CC, art. 1.850).
Não se despreza, entretanto, que, dentre os herdeiros legítimos, exista uma classe mais restrita de herdeiros, chamada de herdeiros necessários, que, dada a sua proximidade e dependência econômica presumidas com o de cujus, fazem jus a, no mínimo, metade do patrimônio desse.
É que o Código Civil, em seu art. 1.789, estabelece que, “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”. O art. 1.845 do mesmo códex, por seu turno, estabelece que “São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”. Daí porque se diz que a liberdade de testar, no ordenamento jurídico brasileiro, não é absoluta.
Como se vê, o dispositivo supracitado elenca, dentre outras pessoas, o cônjuge como herdeiro necessário do de cujus. Especialmente acerca da sucessão do companheiro, cuida o art. 1.790 do mesmo diploma normativo que:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Como se denota, o ordenamento jurídico brasileiro, até então, estabelecia limites para a sucessão em favor do companheiro, o que não havia com relação ao cônjuge, operando-se, pois, uma diferença na tratativa de ambos os sujeitos de direitos.
Diz-se “até então” porque, em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 646.721 e 878.694, ambos com repercussão geral reconhecida, declarou inconstitucional o art. 1.790 do Código Civil, sob o argumento de que o referido códex que, embora tenha entrado em vigor no ano de 2003, foi gestado nos anos de 1970 e 1980, ao desequiparar o casamento e as uniões estáveis, “promoveu um retrocesso e promoveu uma hierarquização entre as famílias que a Constituição não admite”.
Vale citar:
Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Aplicação do artigo 1.790 do Código Civil à sucessão em união estável homoafetiva. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesas consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso. 3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 4. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”[70].
Desse modo, de acordo com jurisprudência da Suprema Corte, que, como sabido, também é fonte do Direito, não mais subsiste diferença entre união estável e casamento para fins sucessórios.
Por sua vez, o art. 1.846 do Código Civil estabelece o conceito de legítima, consistente na metade dos bens da herança pertencentes aos herdeiros necessários: “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”.
CAPÍTULO II – DIREITO DIGITAL
2.1 Noções gerais
Todo avanço tecnológico implica, também, em um avanço social e requer, portanto, um avanço jurídico, de modo que o Direito deve acompanhar o anseio social para que a sociedade fique sempre amparada. À medida em que há avanços, exsurgem novas necessidades de quem vive e interage no mundo cibernético.
Nesse espeque, o Direito Digital representa a evolução do próprio Direito para acompanhar os novos contornos das relações sociais, agora também virtuais. Esse novo ramo do Direito é marcado pelo dinamismo nas relações e estabelece um relacionamento entre o Direito Positivo e o Direito Costumeiro, valendo-se dos elementos que cada um tem de melhor para a solução das questões vivenciadas pela sociedade digital.
Nas palavras de Patricia Peck Pinheiro, advogada e especialista em Direito Digital, acerca do surgimento e relevância dessa nova área do Direito:
(…) o Direito Digital traz a oportunidade de aplicar dentro de uma lógica jurídica uniforme uma série de princípios e soluções que já vinham sendo aplicados de modo difuso – princípios e soluções que estão na base do chamado Direito Costumeiro.
Esta coesão de pensamento possibilita efetivamente alcançar resultados e preencher lacunas nunca antes resolvidas, tanto no âmbito real quanto no virtual, uma vez que é a manifestação de vontade humana em seus diversos formatos que une estes dois mundos no contexto jurídico. Logo, o Direito Digital estabelece um relacionamento entre o Direito Codificado e o Direito Costumeiro, aplicando os elementos que cada um tem de melhor para a solução das questões da Sociedade Digital[71].
Acerca da aplicabilidade do Direito Costumeiro ao Direito Digital, aduz Peck a existência de alguns elementos, quais sejam: a generalidade, a uniformidade, a continuidade, a durabilidade e a notoriedade (ou publicidade):
No Direito Costumeiro, os elementos que estão a amparar o Direito Digital são: a generalidade, a uniformidade, a continuidade, a durabilidade e a notoriedade (ou publicidade).
Para que esses elementos se ajustem ao Direito Digital, deve-se levar em conta o fator tempo, elemento de fundamental importância para um mundo em que transformações tecnológicas cada vez mais aceleradas ditam, de modo mais intenso, as transformações no próprio funcionamento da sociedade, determinando a importância de duas práticas jurídicas no Direito Digital: a analogia e a arbitragem. [72]
Segundo Peck, a generalidade, uma das características centrais do Direito Digital, “determina que certo comportamento deva ser repetido um razoável número de vezes para evidenciar a existência de uma regra”, pois “é a base da jurisprudência, um fenômeno do Direito Costumeiro”. Explica:
No mundo digital, em muitos casos, não há tempo hábil para criar jurisprudência pela via tradicional dos Tribunais. Se a decisão envolve aspectos tecnológicos, cinco anos podem significar profundas mudanças na sociedade.
Mesmo assim, a generalidade pode ser aplicada aqui, amparada por novos processos de pensamento do Direito como um todo: a norma deve ser genérica, aplicada no caso concreto pelo uso da analogia e com o recurso à arbitragem, em que o árbitro seja uma parte necessariamente atualizada com os processos de transformação em curso.[73]
Aduz Peck, ainda, que a aplicação da generalidade cumpre outra característica do Direito Costumeiro: a uniformidade. Explica:
Se um consumidor tem uma decisão favorável contra um site que lhe vendeu algo e não colocou claramente um contrato direto para reclamações em suas páginas, então é recomendável que todos os outros sites com problemas semelhantes procurem adequar-se a tal posicionamento, a fim de que não sofram as mesmas sanções[74].
Já sobre a continuidade, complementa Peck:
A morosidade causada pela não aplicação desses preceitos incentiva a elitização e o casuísmo, faz com que os mais fracos fiquem marginalizados perante a Justiça e não incentiva os consumidores a buscarem seus direitos. Por isso, a continuidade é importante, ou seja, essas decisões devem ser repetidas ininterruptamente, dentro de um princípio genérico e uniforme[75].
Acerca da durabilidade, explica Peck:
A durabilidade é responsável pela criação da crença no uso desses elementos. A segurança do próprio ordenamento jurídico depende disso, assim como depende da competitividade das empresas quanto à necessidade de respostas rápidas para atuar num cenário de negócios cada vez mais globalizado e digital (PINHEIRO, 2016, p. 80).
Por fim, acerca da característica da notoriedade, leciona Peck:
Para completar o raciocínio, é importante entender outra característica assumida pelo Direito Digital: a notoriedade. As decisões arbitrais devem sempre ser tornadas públicas, para que sirvam de referência aos casos seguintes e diminuam a obsolescência de decisões tomadas exclusivamente no âmbito do Judiciário – o que no Brasil significa tomar por base decisões de questões que começaram a ser discutidas há pelo menos cinco anos, um tempo que pode ser fatal em uma época de velozes transformações como essa em que vivemos[76].
Cumpre salientar que o Direito Digital abrange todas as áreas já existentes do Direito (Constitucional, Civil, Penal, Tributária, entre outras), interpretando-as sobre a nova realidade da sociedade: o mundo cibernético.
Inobstante o Direito Digital abranger todas essas áreas, não se diz que esse é um ramo totalmente novo do Direito, pois ele se guarnece na maioria dos princípios já existentes no ordenamento jurídico pátrio, além de aproveitar boa parte da legislação em vigor, necessitando-se, para sua aplicação, por várias vezes, apenas de uma interpretação analógica ou extensiva.
É necessário que o Direito se adeque às novas dinâmicas e realidades da sociedade, o que, por outro lado, não quer dizer que ele esteja totalmente alheio ao que atualmente já acontece.
Para que haja tal adequação, é preciso de flexibilidade na interpretação e aplicação das normas jurídicas, desprendendo-se das amarras de uma legislação codificada que, em tempos modernos, acaba muitas vezes já nascendo obsoleta.
Vale lembrar que, entre a apresentação de um projeto de lei e a sua efetiva promulgação, podem decorrer vários anos, de modo que aquele projeto que nasceu regulando satisfatoriamente uma situação jurídica determinada, na data de sua promulgação, já pode estar defasado, especialmente quando se fala em Direito Digital.
O Direito, então, é o produto do comportamento e da linguagem e, atualmente, os elementos acima expostos se apresentam mais flexíveis do que nunca, o que demonstra que um Direito rígido, divorciado de tal flexibilidade, acaba não tendo uma interpretação e aplicação eficazes.
Em uma sociedade interligada e conectada, então, é necessário que se estude o Direito Digital não apenas para fins profissionais, mas também que o faça para que se tutele, e, portanto, se resguarde, a convivência das pessoas na nova era digital, de modo que todos possam exercer sua autonomia da vontade e liberdade individual sem prejuízos à coletividade.
2.2 Características do Direito Digital
O Direito Digital é marcado por algumas características peculiares, dentre elas a celeridade, o dinamismo, a auto-regulamentação, o pouco número de leis que o tipificam diretamente e a grande utilização do Direito Costumeiro na sua aplicação, bem como o próprio uso da analogia.
Fala-se em celeridade porque o Direito Digital avança no mesmo rápido compasso em que evolui a tecnologia. Fala-se em dinamismo porque esse mesmo Direito desdobra-se e amolda-se para abarcar relações jurídicas em constante evolução.
Fala-se em auto-regulamentação porque o Direito Digital é marcado, sobremaneira, por relações entre particulares, que pactuam normas que regulamentam essas próprias relações, inclusive em caráter coletivo, a exemplo das licenças Creative Commons.
Fala-se, ainda, em Direito Costumeiro e analogia para a aplicação do Direito Digital, dada a ausência ou insuficiência de normas estatais específicas que sejam suficientes a tutelar a universalidade quantitativa e qualitativa das relações jurídicas travadas em meio digital.
Segundo Peck, tais características do Direito Digital o aproximam da chamada Lex Mercatoria, sistema jurídico desenvolvido pelos comerciantes da Europa medieval e que se aplicou aos comerciantes e marinheiros de todo o mundo até o século XVII.
É que, tanto o Direito Digital e a Lex Mercatoria não estão especificamente dispostos em um único ordenamento, têm alcance global e se adaptam às leis internas de cada país de acordo com as regras gerais que regem as relações comerciais e com os princípios universais do Direito, como a boa-fé suum cuique tribuere, neminem laedere e honeste vivere (em tradução livre: viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu)[77].
2.3 Abrangência do Direito Digital: para além da Internet
É importante esclarecer que o Direito Digital não se restringe à Internet. Com efeito, antes mesmo do surgimento da rede mundial de computadores, já existiam outros meios de comunicação tais como o rádio, a televisão e o fax, que se subsumiam, e ainda se subsomem, aos mesmos preceitos gerais aplicáveis à Internet:
Historicamente, todos os veículos de comunicação que compõem a sociedade convergente passaram a ter relevância jurídica a partir do momento em que se tornaram instrumentos de comunicação de massa, pois a massificação do comportamento exige que a conduta passe a ser abordada pelo Direito, sob pena de criar insegurança no ordenamento jurídico e na sociedade. Foi assim com a imprensa, o telefone, o rádio, a televisão e o fax. Cada um deles trouxe para o mundo jurídico particularidades e desafios: a questão dos direitos autorais, a liberdade de imprensa, as restrições à programação por ofensa a valores ou moral, as encomendas por fax, as compras por telefone, a licença do jocoso para não cair na calúnia e na difamação, a proteção das fontes, os contatos dos anunciantes, os seguros de transmissão, entre outros.
Com a Internet não há diferença: não existe um Direito da Internet, assim como não há um direito televisivo ou um direito radiofônico. Há peculiaridades do veículo que devem ser contempladas pelas várias áreas do Direito, mas não existe a necessidade de criação de um Direito específico.
O que propomos aqui, portanto, não é a criação de uma infinidade de leis próprias – como vimos, tal legislação seria limitada no tempo (vigência) e no espaço (territorialidade), dois conceitos que ganham outra dimensão em uma sociedade convergente. A proposta é que o Direito siga sua vocação de refletir as grandes mudanças culturais e comportamentais vividas pela sociedade[78].
Vê-se, portanto, que o Direito Digital precede à Internet, pois, muito antes do surgimento dessa rede, já se falava em relações jurídicas e, portanto, em eventuais conflitos em ambientes digitais.
2.4 Sociedade digital: digitalização da sociedade e das relações jurídicas
2.4.1 Processo histórico de digitalização da sociedade
Antes de se aprofundar no conceito de Direito Digital, faz-se mister entender o processo histórico que conduziu a sociedade ao fenômeno da digitalização, traçando-se, para tanto, uma breve linha da evolução tecnológica da qual essa sociedade é produto.
Segundo Peck, o surgimento da informática se deu para auxiliar o homem nos trabalhos do cotidiano e na automação de outros trabalhos. Destaca Peck, citando João Carlos Kanaan, que a informática “é a ciência que estuda o tratamento automático e racional da informação”[79].
Segundo Peck, a “necessidade de instrumentos que auxiliassem o homem a processar informações, em apoio a suas funções mentais naturais, não é recente”. Destaca que tal necessidade “remonta aos antigos pastores que utilizavam pedras para contabilizar seu rebanho”, de modo que essa atividade seria a representativa dos primórdios do processamento de dados[80].
Desde a utilização de tais pedras para contabilidade, seguiu-se, na história do mundo, à invenção de vários mecanismos que visavam, ainda que de maneira rústica, armazenar e tratar a informação, bem como realizar cálculos matemáticos. Destaca Peck que o primeiro engenho concebido com a finalidade de processar dados foi o ábaco:
O primeiro engenho concebido com essa finalidade seria o ábaco. Utilizado por mercadores há mais de 2.000 anos e filho direto das necessidades dos mercantis, o abato faz-se com pedrinhas – calculi – que, ordenadas segundo a técnica desenvolvida pelos matemáticos de então, auxiliavam a elaboração de cálculos e tarefas de contabilidade que, de outra forma, tomariam muito tempo[81].
Destaca Peck, ainda, a invenção de outros três mecanismos destinados à feitura de operações matemáticas, cada um deles com um grau de complexidade maior do que seu antecessor:
No século XVII, o escocês John Napier cria o mecanismo que chamou de “ossos de Napier”, o qual, por permitir a execução de operações matemáticas mais complexas, desdobrar-se-ia nas até recentemente muito utilizadas réguas de cálculo.
O filósofo francês Blaise Pascal construiu em 1642 um engenho mecânico capaz de somar e subtrair números de oito algarismos. Também filósofo, o alemão Gottfried Leibniz constrói em 1677 sua máquina de calcular. Somente em 1830, porém, a tecnologia ´industrializada e começaram a ser fabricadas na Europa máquinas de calculas mecânicas.
Em 1834, o norte-americano Charles Babbage constrói complexa máquina capaz de executar uma sequência predeterminada de operações matemáticas. Embora nunca tivesse sido finalizada como desejava seu criador, a máquina e as próprias anotações de Babbage lançaram conceitos até hoje fundamentais na computação: a máquina que executa comandos predefinidos – o programa, a interface de entrada/saída e a memória dos cálculos realizados[82].
Seguindo os inventos acima mencionados, no ano de 1847, o matemático britânico George Boole idealizou uma teoria que aproximou a lógica da matemática, por meio de operações lógicas de “e”, “ou” e “não”, e um sistema binário de “1’s” e “0’s” que, posteriormente, seria a base de toda a computação moderna:
Em 1847, o matemático britânico George Boole idealiza em sua obra “The matematical analysis of logic: being an essay towards a calculus of deductive reasoning” uma teoria que aproxima a lógica da matemática, por meio de operadores lógicos (E, OU e NÃO) e um sistema binário de numeração que se utiliza apenas dos algarismos 1 e 0. Tal teoria ficou posteriormente conhecida como Álgebra Booleana e viria a ser amplamente utilizada nos computadores, que ainda tardariam a surgir, pela facilidade em associar os operandos booleanos (1 e 0) a dois estados da corrente elétrica (ligado e desligado)[83].
Posteriormente, o norte-americano Herman Hollerith, fundador da empresa mundialmente conhecida International Business Machine – IBM, criou uma máquina capaz de ler dados gravados em cartões perfurados, revolucionando o sistema de armazenamento de dados da época:
O norte-americano Herman Hollerith concebeu em 1890 uma máquina eletromecânica que lia uma série de dados gravados em cartões perfurados e fez com que o censo daquele ano nos Estados Unidos fosse processado em um terço do tempo do censo anterior. Hollerith mais tarde fundaria a empresa Tabulating Machine Company, que hoje é conhecida pelo nome de International Business Machine (IBM)[84].
Posteriormente, adveio a criação do Eletric Numeric Integrator and Calculator – ENIAC, um gigante computador baseado em circuitos eletrônicos que operava com a lógica binária (booleana), que representou um grande passo para além das calculadoras já existentes:
A utilização de máquinas calculadoras mecânicas e eletromecânicas proliferou no início do século XX. Nos anos 30, essas máquinas começaram a ser construídas com relés eletromagnéticos, porém somente em 1946 estaria finalizado o engenho que claramente se reputaria um passo além das calculadoras. Seu nome era ENIAC – Eletric Numeric Integrator and Calculator –, um computador baseado em circuitos eletrônicos. Operava com lógica binária, composto de 18.000 válvulas, e ocupava diversas salas da Universidade de Pensilvânia, onde foi concebido[85].
Com o sucesso do ENIAC, seguiu-se, no ano de 1951, o lançamento do UNIVAC I, o primeiro computador a ser vendido comercialmente. Daí em diante a microeletrônica passou a ser o norte para os avanços tecnológicos na área da informática.
O advento do transistor nos anos 60, que substituiu a válvula, diminuiu o tamanho e o consumo de energia e aumentou a potência dos computadores, potência essa que deu um salto nos anos 70, com o surgimento dos circuitos integrados, que reuniam um grande número de transistores em uma única peça[86].
É justamente nos anos 70 que surge o microprocessador, que representou mais um salto evolutivo na era da informática, pois tal peça, além de centralizar o processamento de dados, condensava em um minúsculo espaço uma multiplicidade de transistores que aumentavam a potência de processamento das máquinas:
Os anos 70 viram o advento do microprocessador, minúscula partícula de silício que centraliza o processamento em um computador e onde eram condensadas centenas de transistores, os elementos que faziam os computadores ocupar grandes espaços, consumir grande quantidade de energia e estar em constante manutenção. As centenas de transistores tornaram-se milhares, dezenas de milhares e, em nossa época, centenas de milhares, fazendo dos microcomputadores pessoais, que utilizamos em nossas casas e escritórios, engenhos com capacidade de processamento superior à das grandes universidades, laboratórios e empresas de trinta anos atrás (PINHEIRO, 2016, p. 61).
Destaca Peck que, nas últimas décadas, vários fatos contribuíram para a profunda mudança na realidade social que hoje vivenciamos, desde a criação da World Wide Web – WWW, ao lançamento do iMac, um dos primeiros computadores pessoais, e do Google, maior site de pesquisas na Internet de todos os tempos:
Como podemos perceber, além do que ficou exposto acima, nas últimas décadas vários fatos contribuíram para uma profunda mudança na realidade social. Em 1964, Gordon Moore cria a Lei de Morre e revoluciona a produção dos chips. O primeiro computador com mouse e interface gráfica é lançado pela Xerox, em 1981; já no ano seguinte, a Intel produz o primeiro computador pessoal 286. Tim Bernes Lee, físico inglês, inventa a linguagem HTML (HyperText Markup Language ou, em português, Linguagem de Marcação de Hipertexto), criando seu pequeno projeto de World Wide Web (WWW), em 1989; Marc Andreessen cria o browser Mosaic, que permite fácil navegação na Internet, em 1993. Em 1996, Steve Jobs lança o iMac. No mesmo ano, dois estudantes americanos, Larry Page e Sergey Brin, em um projeto de doutorado da Universidade Stanford, criam o maior site de buscas da internet, o “Google”. Em 1999, um ataque de hackers tira do ar websites como Yahoo e Amazon, entre outros. Em 15 de janeiro de 2001, é criada a “Wikipedia”, a primeira enciclopédia online multilíngue livre colaborativa do mundo, que pode ser escrita por qualquer pessoa, de qualquer parte do globo, de forma voluntária. Em 23 de outubro de 2001, cerca de um mês depois dos atentados de 11 de setembro, é lançada pela Apple a primeira versão do iPod, de 5GB e tela monocromática, aparelho que evoluciona o mercado de música mundial ao permitir, segundo o seu, já falecido, criador Steve Jobs, o “armazenamento de até 1.000 músicas em seu bolso”. Os exemplos são muitos[87].
Nesse contexto de evolução e informatização da sociedade, que se acentua desde a criação do telefone, considerada a primeira ferramenta de comunicação simultânea a revolucionar os comportamentos sociais, surge a Internet, que possibilita não apenas o encurtamento das distâncias a baixos custos, mas, sobretudo, a multicomunicação, por transmissão de texto, voz e imagem.
Segundo Peck, é essa multicomunicação, “associada à capacidade de respostas cada vez mais ágeis”, que “permite que a Internet se torne o mais novo veículo de comunicação a desafiar e transformar o modo como nos relacionamos”[88].
2.4.2 A origem e evolução da Internet
Na linha do tempo da digitalização da sociedade não há como se ignorar o surgimento da rede mundial de computadores mais utilizada atualmente, a Internet. Sua origem remonta ao ápice da “Guerra Fria”, em meados dos anos 60, nos Estados Unidos, e foi idealizada, originalmente, para fins estritamente militares.
Naquele tempo, a Internet, basicamente, “tratava-se de um sistema de interligação de redes dos computadores militares norte-americanos, de forma descentralizada”[89].
À época denominada Arpanet, essa rede de comunicação entre computadores, verdadeiramente revolucionária, permitiria que, em caso de ataque inimigo a alguma base militar, as informações lá existentes não se perdessem, uma vez que a gestão e armazenamento da informação era descentralizada, não havendo um só ponto de concentração das informações propriamente dito.
Além das aplicações militares, esse sistema, posteriormente, passou a ser utilizado para fins civis, inicialmente em algumas universidades dos Estados Unidos da América, ali operado por professores e alunos como um canal de divulgação, troca e propagação de conhecimento acadêmico-científico.
Foi justamente esse ambiente acadêmico, e não militar, que, sendo menos controlado, possibilitou o desenvolvimento da Internet nos contornos que a conhecemos atualmente.
Destaca Peck que “o grande marco dessa tecnologia se deu em 1987, quando foi convencionada a possibilidade de sua utilização para fins comerciais, passando-se a denominar, então, ‘Internet’”[90].
Já na década de 90, a Internet passou por um processo de expansão gigantesco, cujo rápido crescimento se deveu a vários de seus recursos e facilidades de acesso e transmissão de informações, a exemplo do correio eletrônico (e-mail) e o acesso a bancos de dados e informações disponíveis na World Wide Web – WWW, que consiste no espaço multimídia da Internet[91].
A interligação e uniformização do sistema de transmissão de dados entre redes, por meio de protocolos, posteriormente, permitiu que a Internet conquistasse maior amplitude no planeta. Atualmente, a comunicação pela Internet pode se dar, inclusive, sem a necessidade de intervenção humana, pois existem sistemas previamente programados a, de modo automatizado, enviarem e receberem informações, bem como realizarem operações com tais dados comunicados.
Da transmissão de simples pacotes de dados, evoluímos para a transmissão de áudio e vídeo, ou seja, de conteúdo multimídia, evolução que representou o segundo passo a caminho da convergência.
É que, para a transmissão de dados multimídia, passou-se a exigir equipamentos mais e mais capazes e redes de maior velocidade ou com maior largura de banda para tanto. Desse modo, a evolução para os dados multimídia impactou o crescimento da velocidade dos recursos tecnológicos até se chegar à Banda Larga (broadband), com conexões via ADSL[92], cabo e satélite.
Assim, esse sistema de interconexão de dados permite que sejam travadas uma infinidade de interações, seja entre humanos e humanos, entre humanos e máquinas e, até mesmo, diretamente entre máquinas e máquinas, ainda que ausente a intervenção humana.
A complexidade desse sistema, do ponto de vista jurídico, reside justamente nas relações resultantes dessas interações, principalmente aquelas comerciais. É que esse ambiente de pessoas e máquinas interconectadas se tornou extremamente propício para o comércio, daí surgindo o conceito de e-commerce ou “comércio eletrônico”:
A grande vitrina virtual passa a atrair não apenas empresas, mas também profissionais liberais, shopping centers, consumidores, redes de ensino a distância, hospitais, laboratórios, bancos, corretoras e todo aquele interessado em obter uma informação, colocar um produto ou serviço à venda, ou simplesmente buscar entretenimento.
Surgem as comunidades virtuais, os portais horizontais, os portais verticais, os websites institucionais, as homepages pessoais, os blogs e fotologs, os metamercados de consumidor-consumidor (C2C), empresa-consumidor (B2C), empresa-empresa (B2B), empresa-empresa-consumidor (B2B2C) – uma verdadeira rede de apatriados[93].
Toda essa gama de relações entre pessoas, físicas ou jurídicas, e máquinas, passa a exigir novas regras, princípios e regulamentos, inobstante também possibilitarem a aplicação de antigos princípios que continuam tão atuais para o Direito como os eram em sua origem[94].
Não se sabe qual o próximo passo da evolução tecnológica, mas sabe-se que “é importante compreender todo o mecanismo de funcionamento das novas tecnologias de comunicação, entre elas a Internet, bem como sua evolução no futuro cenário de convergência”[95], uma vez, que como já dito, o Direito é o resultado da conjugação entre comportamento e linguagem.
Em suma, somente com essa compreensão da evolução das novas tecnologias é que podemos elaborar leis, aplicá-las e dar soluções aos inúmeros casos que versem sobre conflitos em ambientes virtuais. “É diante de toda esta velocidade de mudanças que nasce o Direito Digital”[96].
2.4.3 Sociedade moderna digital
Como já adiantado, na sociedade moderna, cresce cada vez mais a importância das relações jurídicas travadas em meio digital. Há pessoas que fazem de seus perfis em redes sociais verdadeiros tabloides de suas próprias vidas, compartilhando com terceiros, por vezes até desconhecidos, seus hábitos, pensamentos, predileções musicais, gastronômicas e até convicções político-ideológicas.
Outras pessoas, por sua vez, utilizam a rede mundial de computadores como ferramenta de trabalho, dela obtendo os recursos para seu próprio sustento, desempenhando tarefas que, por vezes, são planejadas, executadas e até remuneradas por meio do ambiente virtual, a exemplo dos designers gráficos ou programadores freelancers.
Há outros que mantêm em meio digital suas próprias economias, o que hoje é possível graças às moedas virtuais existentes, que, embora não sejam equiparadas às moedas oficiais dos países, dispõem de mecanismos de segurança próprios e não menos eficazes, como, por exemplo, o bitcoin[97], moeda virtual que ganhou notoriedade na Internet por seu alto grau de confiabilidade, graças ao fato de ser armazenada e operada mediante tecnologia descentralizada cuja segurança se baseia justamente na descentralização e em algoritmos matemáticos complexos.
Ainda, há sites como o Paypal, que disponibilizam ao usuário uma carteira digital de fundos, na qual são depositadas cifras de dinheiro real, que ficam disponíveis a qualquer tempo para o usuário, com a finalidade de se agilizar eventuais pagamentos de produtos e serviços adquiridos pela Internet.
Ressalta-se, também, sites como o iTunes, da consagrada Apple, que fornece uma infinidade de músicas e filmes, mídias que, uma vez adquiridas, passam a integrar a conta do consumidor do serviço, que pode baixá-las a qualquer tempo, independentemente de novo pagamento. Não se cuida, portanto, de um “aluguel” de mídias, mas de verdadeira aquisição dessas e também do direito de baixá-las novamente sempre que necessário.
Nota-se, ainda, os proprietários de sites na Internet, ambientes virtuais de concentração e difusão de conteúdo que são acessíveis pelo navegante por meio de domínios[98], que nada mais fazem do que traduzir um endereço de I.P. (Internet Protocol, ou Protocolo de Internet), como google.com.br ou intalegem.com.br.
Tais domínios – compreendidos como verdadeiros caminhos para os sites, pela relevante e quase imprescindível função que desempenham na Internet, conectando pessoas à informação – também são passíveis de valoração econômica, porque refletem a própria marca de um sítio eletrônico, e, portanto, não raramente são comercializados a cifras astronômicas[99].
Acrescenta-se, ainda, os sites especializados em fornecer serviços de gerenciamento de bens virtuais, possibilitando ao usuário facilidades como selecionar um guardião para suas contas online ou optar para que seu acervo virtual seja apagado em caso de inatividade prolongada.
Não se pode olvidar, ainda, da importância do Direito Digital para o comércio eletrônico, chamado e-business, que, no Brasil, somente no ano de 2016, faturou R$44,4 bilhões, com alta de 7,4% em comparação com o ano anterior, segundo relatório Webshoppers nº 35, divulgado pela Ebit, empresa de informações sobre o varejo eletrônico nacional.
Toma-se por incontroversa, portanto, a importância dessas relações jurídicas travadas em meio digital para a economia global.
2.4.4 Relações jurídicas digitais como bens e como patrimônio
Como visto, há uma série de relações jurídicas digitais que são dotadas de valor econômico. Daí porque se defende que tais relações, uma vez suscetíveis de valoração econômica, como domínios de Internet, moedas virtuais e saldos em carteiras digitais, por exemplo, se subsomem ao conceito clássico de bens e, portanto, integram o patrimônio. Assim, como o patrimônio é objeto da sucessão, em integrando tais bens o patrimônio, esses, por sua vez, também podem ser objeto da sucessão.
Não se perdem de vista, ainda, as relações jurídicas digitais despidas de caráter econômico, como as contas em redes sociais puramente pessoais, sem qualquer finalidade publicitária. Essas, reconhece-se, não podem ser tratadas como bens, por lhe faltar a característica a esses inerente, a saber, a própria valoração econômica.
CAPÍTULO III – PATRIMÔNIO DIGITAL E SUCESSÃO DOS BENS DIGITAIS
3.1 Noções gerais
Conceituados o patrimônio, os bens em sentido amplo, os bens em sentido estrito, as coisas, os bens patrimoniais e extrapatrimoniais, a sucessão causa mortis, seja ela legítima ou testamentária e o Direito Digital, passa-se, então, a investigar se tais bens digitais constituem o patrimônio de alguém e se podem ou não ser objeto da sucessão causa mortis.
Embora inovador, o tema “herança digital” já foi objeto de atividade legislativa no Brasil. Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei nº. 4.099/2012, de autoria do Deputado Federal Jorginho Mello, que garante aos herdeiros a transmissão de todos os conteúdos de contas e arquivos digitais, acrescentando ao art. 1.788 do Código Civil um parágrafo único com a seguinte redação: “Art. 1.788 (…) Parágrafo único. Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança”.
3.2 Bens digitais
Segundo Bruno Torquato Zampier Lacerda, a natureza jurídica dos bens digitais é a de bens incorpóreos, em razão da intangibilidade da informação inserida em ambiente virtual:
Como visto, os bens em geral poderão ter natureza corpórea ou incorpórea. Nesse sentido os bens digitais se aproximariam mais da segunda forma, já que a informação postada na rede, armazenada localmente em um sítio ou inserida em pastas de armazenamento virtual (popularmente conhecidas como “nuvens”), seria intangível fisicamente, abstrata em princípio[100].
Aduz Lacerda, ainda, que esses bens digitais podem se apresentar sob a forma de informações localizadas em um sítio de internet, tais como em um correio eletrônico, numa rede social, num site de compras ou pagamentos, em um blog, numa plataforma de compartilhamento de fotos ou vídeos, em contas para aquisição de músicas, filmes e livros digitais, em contas para jogos online ou mesmo em contas para armazenamento de dados[101].
Acerca dos bens digitais, assevera Lacerda, ainda, não haver um conceito legal no Brasil em relação a tais bens, sequer com a vigência do Marco Civil da Internet – Lei nº 12.965/2014. Inobstante a escassez legislativa sobre o tema, o referido autor tenta estabelecer um conceito para os bens digitais:
Estes seriam aqueles bens incorpóreos, os quais são progressivamente inseridos na Internet por um usuário, consistindo em informações de caráter pessoal que trazem alguma utilidade àquele, tenha ou não conteúdo econômico[102].
Antecipa Lacerda, ainda, que, não obstante existir no Brasil uma Lei de Direitos Autorais – Lei nº 9.610/98 e uma Lei de Software – Lei nº 9.609/98, os referidos diplomas legais não são suficientes a conceituar os bens digitais.
Com efeito, segundo o autor, acerca da Lei de Direitos Autorais:
De qualquer forma, deve-se reiterar que a Lei de Direitos Autorais foi formulada para ser uma lei geral de proteção aos direitos de autor, ou seja, não pode pretender regular todas as minúcias que a revolução tecnológica operada nas últimas décadas está a impor ao operador do Direito[103].
Já no que atina à Lei de Software, aduz Lacerda, citando Leonardo Poli, que essa, por conceituar o que seria um programa de computador de maneira ampla, não serve a conceituar de maneira satisfatória os bens digitais:
Compulsando a Lei do Software (Lei 9.609/98), em especial seu art. 1º, que conceitua o que seria um programa de computador, acredita-se não ter aplicabilidade ao que aqui está a se denominar de patrimônio digital, ativos digitais ou bens digitais, pela maior amplitude desta última categoria. Se é certo que o programa de computador merece a mesma tutela deferida às obras intelectuais em geral, certo é também que os bens digitais não se restringem a esta manifestação do espírito humano.
Nesse sentido, novamente com Leonardo Poli, é possível afirmar que o programa de computador ou software nada mais é do que um processo prático a fim de fazer uma máquina que processa informações funcionar, com a finalidade de solucionar problemas de seus usuários (POLI, 2003, p. 35). Logo, não há como aplicar a lei em comento aos ativos digitais, por serem estes mais amplos[104].
Assim, arremata o autor, “o conceito de bens digitais mereceria construção legislativa própria, já que as consequências provocadas não são idênticas às produzidas pela propriedade autoral”[105].
Acerca da importância dos bens digitais, Lacerda a destaca citando o valor econômico e sentimental dos referidos bens. Ressalta que, de acordo com a empresa McAfee – especialista em desenvolvimento de ferramentas de proteção para computadores, especialmente softwares antivírus – calculou-se, em uma pesquisa realizada no ano de 2011, que cada pessoa considera possuir, em média, o valor de U$55.000,00 (cinquenta e cinco mil dólares americanos) em ativos digitais[106].
Assevera Lacerda, ainda, que, em pesquisas realizadas na própria Internet, foram encontrados vários exemplos de pessoas que cada vez mais desembolsam dinheiro real pela aquisição de bens sem existência no mundo concreto:
Em 2011 um rapaz chinês pagou U$16.000,00 (dezesseis mil dólares americanos) por uma espada digital que seria usada em um jogo virtual, sendo que o jogo sequer havia sido lançado quando fora efetivada a compra (STERLING, 2011). Isso, insista-se, ocorreu em 2011. Hoje, não há mais qualquer novidade neste tipo de aquisição. Inúmeros jogos de videogame permitem a interatividade online entre usuários, que podem estar em pontos completamente opostos do globo, conectados via Internet. A fim de “turbinar” as possibilidades no desenrolar do game, os jogos têm ofertado aos consumidores (inclusive crianças e adolescentes) a compra de “habilidades”, “vidas”, “armas”, dentre outros recursos, todos pagos por meio de uma simples transação via cartão de crédito[107].
Lacerda pontua, ainda, o valor sentimental de alguns bens digitais:
Vários bens digitais, para além de um aspecto econômico, serão importantes para seus titulares pela perspectiva emocional que carregam consigo. Basta pensar em mensagens enviadas por email, por inbox (mensagens privadas) nas redes sociais, fotografias, depoimentos, vídeos, dentre outros. E poderá ser igualmente um ativo relevante para os amigos e familiares daquele titular.
A memória afetiva de uma pessoa está cada vez mais digitalizada. As crianças e jovens de hoje já não sabem mais o que é um álbum de fotografia de capa rígida, com fotos fixadas por papel contact e que vão perdendo a sua cor ao longo do tempo[108].
Destaca, também, a necessidade de se resguardar a privacidade e a intimidade do usuário que não queira compartilhar seus bens digitais para além de sua morte:
Nesse aspecto sentimental estariam incluídas também a privacidade e intimidade do usuário. É indubitavelmente um direito seu querer excluir qualquer pessoa da ingerência indevida sobre o conteúdo que fora compartilhado, ao longo dos anos, com determinadas pessoas.
Muitos não veriam qualquer problema em abrir sua conta de email ou rede social aos cônjuges, companheiros, ascendentes ou descendentes. Porém, há que se respeitar o direito daqueles que desejam manter tais parentes alijados deste acesso, ainda que após a sua morte[109].
3.3 A informação como bem jurídico
Prosseguindo no estudo dos bens digitais, Lacerda destaca, citando Pietro Perlingieri, que “não se deve limitar os bens digitais à teoria dos direitos reais, tais como a propriedade”[110]. Para o autor, “devem ser considerados também como juridicamente relevantes os bens não patrimoniais, dignos de tutela independentemente de sua eventual relevância econômica”[111]. Assim, Lacerda, filiando-se à corrente defendida pelo autor italiano, sustenta que a própria informação seja tratada como um bem jurídico.
Explicando, Lacerda, segundo Perlingieri, assevera que para que a informação seja tratada como um bem jurídico, “seria necessário que (…) tivesse alguma utilidade socialmente apreciável, ao mesmo tempo em que fosse encontrado no ordenamento jurídico uma avaliação em termos de merecimento de tutela” [112]. Somente assim, sustenta, se poderia dizer que a informação terá relevância jurídica.
Para tanto, de acordo com Lacerda, seria necessária a superação da visão clássica de que um bem só poderia ter fruição exclusiva, adotando-se a possibilidade de haver bens jurídicos que comportam fruição múltipla, ou seja, que podem servir a mais de um sujeito, a exemplo da própria informação:
Superando ainda a visão clássica de que um bem só poderia ter fruição exclusiva, Pietro Perlingieri (2008) reconstrói essa percepção, ao estabelecer que existem vários bens jurídicos que comportam, do ponto de vista estrutural, fruição múltipla. Em ordenamentos premidos pela socialidade, nos quais se supera o paradigma da individualidade, a visão de que existem bens jurídicos que não servem unicamente a um sujeito é essencial. Esse seria precisamente o caso da informação; um bem de fruição plúrima[113].
A informação, nesse contexto, de um posto de vista geral, satisfaz a necessidade humana de ter acesso ao conhecimento e, numa perspectiva individual, tem o potencial para satisfazer interesses os mais diversos possíveis, cumprindo, assim, vários requisitos para que possa ser considerada um verdadeiro bem jurídico, quais sejam: pode ser objeto de uma relação jurídica; os bens podem ter caráter patrimonial ou não; é possível se conceber bens com fruição múltipla; há possibilidade de sua tutela jurídica.
Assim, Lacerda, citando o autor italiano, resume:
A informação em si, como coisa incorpórea, não é sempre e necessariamente relevante para o direito, mas a sua tutela varia com relação ao conteúdo da informação (pense-se na privacidade da pessoa), ao lugar ou à relação jurídica na qual os dados informativos estão inseridos ou, ainda, ao sujeito que a conhece e à sua atividade: pense-se no chamado sigilo industrial, ou no interesse a que o profissional ou o prestador de serviço não divulguem fatos conhecidos no adimplemento da sua própria prestação[114].
Prossegue Lacerda aduzindo que, quando a informação conter os requisitos da criatividade e originalidade, será considerada indubitavelmente um bem jurídico, constituindo-se em direito de autor ou patentes. Aduz, também, que, ainda que a informação não tenha esses requisitos, ou seja, “for uma informação não criativa, sem possibilidade de registro próprio”, poderá, igualmente, ser considerada um bem jurídico, desde que se mostre “num caso concreto como útil juridicamente com relação a determinada atividade humana”[115].
Assim, para Lacerda, em qualquer das situações acima a informação poderá vir a ser tutelada pelo Direito como bem jurídico:
Em qualquer dessas situações, a informação poderá vir a ser tutelada pelo Direito como bem jurídico que é, seja por meio da proteção própria e específica existente para as informações com caráter de direito de autor, seja por meio da responsabilização civil em geral, para aquelas que se enquadram como apenas notícias (não criativas). Esta proteção será especialmente relevante, como sói ocorrer com qualquer outro tipo de bem jurídico, quando estiver configurada a presença de um ato ilícito (apropriação indevida da informação), apto a causar danos injustos aos titulares na perspectiva de um caso em concreto[116].
Prossegue Lacerda asseverando que “a prova cabal de que a informação é realmente um bem jurídico nos dias de hoje talvez seja a quantidade de contratos cujo objeto é a prestação de informações por parte do devedor”[117]. Exemplifica:
a) nos contratos de consultoria empresarial, os prestadores de serviço irão fornecer informações que podem subsidiar decisões daqueles que exercem a atividade;
b) cessão das informações constantes de uma base de dados de clientes;
c) informações meteorológicas para aquele que exerce uma atividade rural ou de transporte;
d) informações sobre hábitos de consumo; entre outros[118].
Por fim, arremata:
Por tudo o que fora exposto (…), não há como não caracterizar as informações como verdadeiros bens jurídicos, pois cada vez mais são encontradas situações nas quais tal bem será o próprio objeto da relação jurídica, ou o interesse indevidamente violado por um terceiro. Em um mundo virtual, onde impera a desmaterialização das atividades humanas, a tutela da informação, seja em caráter individual ou coletivo, é essencial para a proteção da própria pessoa humana[119].
Assim, não há dúvidas de que a informação, notadamente aquela criativa e original, mas também aquela útil juridicamente ao ser humano, constitui bem jurídico relevante a ser tutelado pelo Direito.
3.4 Bens digitais patrimoniais
Lacerda destaca, ainda, a existência de pelo menos duas teorias para a definição de uma noção mais aprofundada sobre patrimônio. Citando Miguel Maria de Serpa Lopes, assevera que, de acordo com a teoria clássica, defendida por Aubry et Rau, a noção de patrimônio se baseia em três aspectos: somente as pessoas físicas ou morais podem ter um patrimônio; toda pessoa tem necessariamente um patrimônio, mesmo quando não possuir no momento nenhum bem; a mesma pessoa não pode ter mais de um patrimônio[120].
Ressalta que, para a teoria acima, o patrimônio teria os atributos da unidade, da indivisibilidade, da inalienabilidade e da fungibilidade, sendo inseparável da pessoa de seu titular. Por essa teoria, o patrimônio não poderia ser transmitido como um todo, enquanto a pessoa estivesse viva, de modo que apenas seus elementos integrantes poderiam ser objeto de transmissão. A unidade do patrimônio, então, se daria em razão da unidade da própria pessoa de seu titular.
Sobre essa posição, adverte:
Essa visão se baseia e até se confunde com a noção de personalidade civil ou jurídica. Como as pessoas possuem, como sujeitos de direitos, relações de ordem econômica com seus demais semelhantes, pode-se afirmar que toda e qualquer pessoa será titular de um patrimônio (como conjunto de direitos e obrigações). A partir do nascimento com vida e consequente aquisição da personalidade jurídica, a pessoa passa ter a aptidão abstrata para ser titular de direitos e obrigações e, portanto, surge a possibilidade de vir a titularizar um patrimônio (patrimônio como emanação da personalidade). Este poderá ser composto de pouquíssimos bens ou mesmo integrado apenas por dívidas, mas nem por isso perderá esta concepção de uma universalidade dotada de conteúdo econômico[121].
Aduz, ainda, a existência de uma segunda teoria, moderna, possuindo um caráter objetivista ou realista, baseando-se nas ideias de Brinz e Bekker:
Esta teoria condena o entrelaçamento ente patrimônio e personalidade jurídica, enxergando o patrimônio como o conjunto de bens e de obrigações que formam um todo jurídico. Mas a noção de unidade aqui é diferente, não se justificando sob o prisma da pessoa do titular. A unidade é do conjunto de situações distintas nas quais uma pessoa poderá estar inserida. Estes elementos que compõem o patrimônio possuem vida autônoma, podendo receber, para a produção de certos efeitos, tratamento unitário. Para esta teoria, portanto, o ser se separa do ter, a pessoa de seu patrimônio[122].
Segundo Lacerda, desde o Código Civil de 1916 até o atual, o ordenamento jurídico civil alinhou-se à segunda teoria, isto é, “o patrimônio deve ser visto como uma universalidade de direito, ou seja, uma unidade abstrata, distinta dos elementos que o compõem”[123].
Essa noção é importante para se entender que, no Brasil, a esfera jurídica de uma pessoa, que não se confunde com seu patrimônio, será constituída pela totalidade das situações jurídicas em que ela está envolvida, tanto as de natureza patrimonial, quanto as de natureza extrapatrimonial[124].
Abrange-se, portanto, a concepção do direito de propriedade, na contemporaneidade, para dimensionar os direitos patrimoniais, suas estruturas e funções. Segundo Lacerda, a visão clássica do direito de propriedade, como sendo apenas um direito subjetivo que concederia ao seu titular as faculdades jurídicas de usar, gozar, dispor e reivindicar (Código Civil – art. 1.228), merece ser ampliada e revisitada, por não mais atender às necessidades atuais:
O conceito de propriedade já não pode mais ficar adstrito à análise das faculdades que a integram. Melhor seria visualizá-la como uma relação jurídica complexa que irá colocar em polos distintos o seu titular e a coletividade abstrata. Ao mesmo tempo em que esta deverá se abster da prática de atos que possam vir de alguma forma a lesar o conteúdo do direito do proprietário, este terá também uma série de deveres a cumprir para que o exercício desse direito seja considerado legítimo, como, por exemplo, o adimplemento da devida função social.
Assim, expandindo-se o conceito de propriedade, chega-se à classificação da informação como bem digital, bastando, para tanto, que a informação inserida em rede seja capaz de gerar repercussões econômicas imediatas, quando lhe será conferido o status de bem tecnodigital patrimonial:
Pois bem, quando a informação inserida em rede for capaz de gerar repercussões econômicas imediatas, há que se entender que ela será um bem tecnodigital patrimonial. Tal visão alinha-se à noção de patrimônio acima exposta, sendo aceita por nosso ordenamento jurídico.
Cada ser humano, a partir do momento em que se tornar usuário da Internet, terá a possibilidade de vir a ser titular de uma universalidade de ativos digitais. Esse patrimônio digital dotado de economicidade, formaria a noção de bem tecnodigital patrimonial[125].
Desse modo, demonstra-se viável, em alguns casos, a classificação da informação como bem digital, a qual nessa hipótese, se enquadraria como uma propriedade imaterial e incorpórea[126].
Nessa toada, arremata Lacerda que, em sendo todos os bens digitais integrantes do patrimônio digital, o direito de propriedade de tais bens deveria gozar das mesmas faculdades jurídicas existentes para a propriedade tradicional:
Sendo todos esses bens integrantes do patrimônio digital, o direito de propriedade dos bens digitais deveria gozar das mesmas faculdades jurídicas existentes para a propriedade de roupagem tradicional, previstas no art. 1228 do Código Civil.
Logo, além do evidente uso (jus utendi) e gozo (jus fruendi) que se possa fazer desses bens jurídicos, há que se garantir ao proprietário o direito de dispor (jus abutendi). Exercendo a faculdade de dispor, o proprietário poderia deletar o ativo digital, fornecê-lo em garantia a um credor, bem como aliená-lo onerosa (celebrando uma compra e venda) ou gratuitamente (realizando uma doação)[127].
Nesse espeque, afigura-se lícito estender, também, aos bens digitais, a possibilidade de posse e a viabilidade de pretensões de proteção de eventuais agressões indevidas a essa posse.
3.5 Bens digitais existenciais
Avança Lacerda, ainda, abordando sobre a existência de bens digitais existenciais, isto é, bens que, a princípio, não são dotados de caráter patrimonial, mas que, dada a sua relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, são tutelados pelo ordenamento jurídico, especialmente aqueles atinentes à personalidade e aos direitos dela imanentes:
A dignidade humana, assim como a pessoa e sua personalidade serão projetadas dentro desta perspectiva de um corpo eletrônico. Quando os bens da personalidade se manifestarem de alguma maneira neste já não tão novo mundo digital, há que se reconhecer que, na linha do que se está a defender, devam ser denominados de bens digitais existenciais (…).
Dessa forma, quando a informação inserida na rede mundial for capaz de gerar repercussões extrapatrimoniais, há que se entender que ela será um bem tecnodigital existencial. A informação sem repercussão econômica poderá solicitar a proteção aos direitos da personalidade, nos termos expostos e aceitos por nosso ordenamento jurídico[128].
Lacerda consagra, assim, a possibilidade de relações jurídicas existenciais, isto é, desprovidas de caráter econômico, serem enquadrados como bens e, mais, como verdadeiros bens tecnodigitais existenciais:
Cada ser humano, a partir do momento em que se tornar usuário da Internet, terá a possibilidade de titularizar ativos digitais de natureza personalíssima. E esse movimento é altamente comum nos dias atuais, com a proliferação tantas vezes demonstrada neste estudo das redes sociais. O sujeito irá realizar o upload de fotos, vídeos, externar suas emoções, seus pensamentos, suas ideias, sua intimidade, com um número ilimitado de pessoas. Este conjunto de atributos extrapatrimoniais digitalizados ao longo do tempo, formaria a noção de bem tecnodigital existencial[129].
Acerca dos bens tecnodigitais existenciais, exemplifica Lacerda serem enquadrados em tal natureza, por exemplo, arquivos de fotografias pessoais armazenados na nuvem, dentre outros:
Portanto, teriam essa natureza os arquivos de fotografias pessoais armazenados em nuvens ou redes sociais, os vídeos, com imagem-voz e imagem-retrato do próprio sujeito que estejam arquivados ou foram publicados, as correspondências trocadas com terceiros, seja por meio de email, seja por meio de outro serviço de mensagem virtual, dentre outros[130].
3.6 Bens digitais patrimoniais-existenciais
Ainda no contexto dos bens patrimoniais e existenciais, Lacerda destaca haver uma categoria específica de bens que, dada a sua similitude com ambas as espécies, navega por uma zona cinzenta entre uma e outra.
Aborda-se, então, a existência de bens digitais patrimoniais-existenciais que envolvem, a um só tempo, questões de cunho econômico e existenciais, como, por exemplo, os blogs e perfis de redes sociais que, embora pessoais, sejam monetizados e gerem algum tipo de renda proveniente de anúncios, a exemplo dos canais no YouTube criados por adolescentes que chegam a ser mais venerados que estrelas da música pop, algo impensável a décadas atrás[131].
3.7 A morte e os bens digitais
Ante tudo o que foi exposto, passa-se, finalmente, à análise de qual deve ser a destinação dos bens digitais titularizados pelo morto, tema problemático se considerados os vários interesses em jogo com o fenômeno “morte”, quais sejam, os interesses dos familiares, os interesses do próprio falecido, os interesses de terceiros e, talvez mais dificilmente aferíveis, os interesses dos provedores de serviços da Internet.
Para tal análise, faz-se necessário, antes de tudo, rememorar que há diferença entre os bens digitais patrimoniais e os bens digitais existenciais, diferença que também implicará distinção na maneira pela qual se operará a sucessão de tais bens.
Respondendo à indagação de que se os bens digitais poderiam ser objeto da sucessão, Lacerda conclui que sim, anotando que é possível a transmissão dos bens digitais patrimoniais do patrimônio de alguém a seus herdeiros, seja pelas vias testamentária ou legítima:
Os bens digitais poderiam ser objeto de sucessão? Indubitavelmente sim, especialmente se o ativo tem caráter patrimonial. A solução mais acertada, em respeito aos direitos fundamentais e aos cânones do direito sucessório, é permitir que haja transmissão de seu patrimônio digital aos herdeiros, seja pela via testamentária ou legítima. Para tanto, há que se ter o cuidado de arrolar tais bens nos inventários que forem abertos, permitindo-se que o Estado chancele tal transmissibilidade[132].
Já sobre a sucessão dos bens digitais existenciais, reconhece-se que a questão tende a ser mais complexa, pois, preliminarmente, interessa saber se os direitos da personalidade se extinguem, ou não, com a morte de seu titular. É que, caso se extingam com a morte de seu titular, não haveria falar, portanto, em sucessão daquilo que foi extinto.
Respondendo à indagação acima, acerca da situação dos direitos da personalidade do morto, Maria de Fátima Freire de Sá e Bruno Torquato de Oliveira Naves, citados por Lacerda, levantam alguns posicionamentos da doutrina:
a) não haveria um direito da personalidade do morto, mas um direito da família, atingida pela ofensa à memória de seu falecido membro;
b) há tão somente reflexos post mortem dos direitos da personalidade, embora personalidade não exista de fato;
c) com a morte, transmitir-se-ia a legitimação processual, de medidas de proteção e preservação, para a família do defunto;
d) os direitos da personalidade que antes estavam titularizados na pessoa, com sua morte passam à titularidade coletiva, já que haveria um interesse público no impedimento de ofensas a aspectos que, ainda que não sejam subjetivos, guarnecem a própria noção de ordem pública[133].
Inobstante esses posicionamentos, ressalta Lacerda que a dupla de autores referidos, após tecer críticas a cada uma dessas visões, constrói uma nova forma de pensar o tema:
E após tecer críticas a cada um desses posicionamentos, a dupla de autores acima citada constrói uma nova forma de pensar o tema, a partir da constatação de que não é necessário reconhecer ao morto, ou à sua família, direitos da personalidade, para se estar diante de uma esfera de não liberdade a ser respeitada por todos. Apesar de o morto não ser mais titular do direito em si, a lei estabelece um dever jurídico genérico, oponível em face da coletividade. Haveria uma situação jurídica gravitando em torno do morto, e é exatamente essa situação o objeto da proteção retratada nas normas do Código Civil anteriormente mencionadas [CC, art. 12, parágrafo único e art. 20, parágrafo único][134].
Acreditando na viabilidade dessa inovadora forma proposta pelos dois autores, Lacerda corrobora:
À família não são transferidos “direitos da personalidade”, mas é-lhe atribuída uma esfera de liberdade processual na defesa da não infração de deveres que se refiram à “figura” do morto. Logo, o que se tem é tão somente o deferimento de uma legitimidade processual na defesa dessa situação jurídica de dever, na qual o morto se insere, em face do juízo de reprovabilidade objetivada normativamente[135].
Assim, conclui Lacerda que, no tocante aos bens digitais existenciais, não seria possível a sua sucessão aos familiares na ausência de testamento ou outro ato de manifestação de vontade do autor da herança:
Por tudo o que se expõe, acredita-se que os bens digitais existenciais não seriam dignos de ser sucedidos pelos familiares, ressalvada a manifestação de vontade expressa nesse sentido pelo próprio titular em vida (…). De qualquer forma, excepcionalmente, mesmo sem consentimento dado em vida pelo morto, deve ser possível o acesso a estes bens, quando houver para tanto uma justa razão , a ser avaliada pontualmente pelo Poder Judiciário, a partir de uma interpretação construtiva, que consiga da melhor forma possível conciliar os interesses em jogo. Somente assim se estará concretizando a cláusula geral de tutela da pessoa humana, prevista pela CRFB/88 e pelo Código Civil de 2002.[136]
Ressalva Lacerda, como se vê, a hipótese excepcional de acesso a tais
bens digitais existenciais pelo Poder Judiciário em casos de interesses de
terceiros, como por exemplo quando um descendente se depara com a morte de seu
ascendente em virtude de uma doença rara e o único meio a resguardar a sua
saúde é acessando dados digitais referentes ao histórico médico do falecido[137].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inobstante ainda não ter se operado a proposta de alteração legislativa citada no presente trabalho, que positivaria a possibilidade de transmissão causa mortis dos bens digitais, como já dito, cogita-se que as relações jurídicas travadas em ambiente virtual, se dotadas de caráter patrimonial, podem, à luz do ordenamento jurídico já vigente, ser classificadas como bens, integrando, assim, o patrimônio do de cujus e podendo, portanto, ser objeto da sucessão causa mortis.
Isso se diz porque, em sendo tais bens suscetíveis de valoração econômica, tangível é que componham o espólio do falecido e que devam ser sopesados na sucessão, seja ela legítima ou testamentária, como ocorre com os demais bens, notadamente porque regularmente adequados ao conceito tradicional de patrimônio.
Sustenta-se, ainda, numa ótica civilista moderna, em que não mais se lê o Direito Civil unicamente sob o prisma patrimonial, mas, também e sobretudo, sob o aspecto do indivíduo, que é titular de direitos da personalidade, que não seria prudente restringir o Direito Sucessório apenas às questões patrimoniais.
Sem prejuízo da conclusão de que devam certos bens armazenados em meio virtual ser considerados patrimônio, porque dotados de valor econômico, operando-se, quanto a eles, os efeitos da sucessão, parece mais acertada, na oportunidade, a convicção de que, uma vez que o Direito Sucessório abarca mais do que questões estritamente patrimoniais, abrangendo, também, elementos extrapatrimoniais, deve ele incluir, ainda, os bens digitais desprovidos de caráter econômico.
Com efeito, admite-se que certos bens digitais, como contas pessoais de e-mail, fotos e perfis pessoais de redes sociais (Facebook, por exemplo), etc., não podem ser economicamente aferíveis e, portanto, num primeiro momento, não se enquadram no conceito clássico de patrimônio.
Não obstante, tem-se que os referidos bens, conquanto não integrem imediatamente o patrimônio, ao menos no seu sentido civilista clássico, podem também ser objeto da sucessão causa mortis, desde que na modalidade testamentária, ou seja, quando expressamente mencionados pelo autor da herança em seu testamento, porquanto embora o Direito Sucessório tenha sua origem e protagonismo na transmissão do patrimônio, atualmente também admite estipulações testamentárias extrapatrimoniais.
É que, repita-se, a legislação civil vigente já autoriza que o autor da herança disponha, por meio de testamento, de questões de caráter não patrimonial (CC, art. 1.857, § 2º), como, por exemplo, reconhecer filho havido fora do casamento (CC, art. 1.609, III), nomear tutor para seu filho (CC, arts. 1.634, IV, e 1.729), e reabilitar o indigno excluído da herança (CC, art. 1.859).
Desse modo, haja vista que o Direito reflete, ou ao menos deve refletir, a evolução cultural e comportamental da sociedade, tem-se que, na era da informação em que se vive, quando evidente vontade contrária do autor da herança, seria imprudente limitar a sucessão de seus bens apenas a questões patrimoniais em sentido estrito, sob pena de se cercear do testador desmedidamente o direito da livre disposição de seus bens para além da morte, prerrogativa que, ressalte-se, constitui-se como corolário do Direito Sucessório desde os tempos remotos.
Não se pretende, contudo, defender posição radical no sentido de autorizar a transmissão automática de todo e qualquer bem digital deixado pelo de cujus sem expressa manifestação de sua vontade. Nesse espeque, crê-se inviável a sucessão automatizada e independente de testamento de contas de e-mail, mensagens, fotos pessoais e outros bens de mesma natureza pertencentes ao falecido, sem que antes assim o tenha estipulado.
É que, do contrário, ao se permitir a terceiros o acesso a tais bens, haveria risco de ofensa à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do de cujus, direitos esses de matriz constitucional (CF/88, art. 5º, X), e, portanto, inalienáveis, irrenunciáveis e invioláveis.
Assim, tem-se que, não obstante o silêncio legislativo, não há impedimentos para a sucessão causa mortis dos bens digitais de
caráter patrimonial, bem como não há óbices ao lançamento no testamento no que
concerne ao acervo digital existencial. É que, deixando o de cujus expresso no testamento seu
desejo de disposição desse acervo digital, deve tal manifestação de vontade ser
respeitada, de igual modo como o seria caso se tratasse apenas de acervo não
digital.
REFERÊNCIAS
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São Paulo: Atlas, 2004.
[1] BRANCO e MENDES, 2015, p. 323.
[2] Idem, p. 325.
[3] BRANCO e MENDES, 2015, p. 323.
[4] Idem, p.325.
[5] PINHEIRO, 2016, pp. 77 e 79.
[6] SERPA LOPES apud GONÇALVES, 2012, p. 33.
[7] GONÇALVES, 2012.
[8] Idem, p. 41.
[9] Idem, pp. 42/43.
[10] Idem, p. 42.
[11] Ibidem.
[12] FARIAS e ROSENVALD, 2015, p. 33.
[13] Idem, pp. 172/173).
[14] Ibidem, p. 173.
[15] VENOSA, 2005, p. 325.
[16] Idem.
[17] Ibidem.
[18] PEREIRA, 2009, p. 335.
[19] Idem.
[20] Idem.
[21] PEREIRA, 2009.
[22] PEREIRA, 2009, p. 338.
[23] Idem.
[24] PEREIRA, 2009, p. 339.
[25] Idem, p. 340.
[26] PEREIRA, 2009.
[27] Idem, p. 343.
[28] Idem, p. 343.
[29] Idem, p. 344.
[30] Ibidem.
[31] BRANCO e MENDES, 2015, p. 323.
[32] Idem, p. 324.
[33] Idem, p. 325.
[34] GONÇALVES, 2012, p. 269.
[35] Nas palavras de Caio Mário, “herdeiro ou sucessor é quem recebe ou adquire os bens. Conforme se trate de uma ou outra modalidade sucessória, qualifica-se na situação de herdeiro legítimo ou testamentário” (PEREIRA, 2015, p. 3).
[36] O herdeiro legítimo é aquele cujo direito de sucessão decorre da lei (Código Civil, art. 1.829), na ordem legalmente prevista, a saber: primeiro os descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente; depois os ascendentes, em concorrência com o cônjuge; depois o cônjuge sobrevivente, e, por último, os colaterais. O herdeiro testamentário, por sua vez, é aquele cujo direito de suceder decorre do testamento ou codicilo, isto é, por manifestação de última vontade do autor da herança.
[37] VENOSA, 2004, p. 16.
[38] Idem, pp. 16/17.
[39] Idem, p. 17.
[40] Ibidem.
[41] VENOSA, 2004.
[42] Idem.
[43] Idem.
[44] Idem.
[45] Idem, p. 18.
[46] Idem, p. 15.
[47] Ibidem.
[48] VENOSA, 2004.
[49] Idem.
[50] VENOSA, 2004, p. 19.
[51] Idem.
[52] Idem, p. 20.
[53] Idem, p. 21.
[54] Idem.
[55] Idem.
[56] RODRIGUES, apud GONÇALVES, 2012, p. 327.
[57] GONÇALVES, 2012, p. 327.
[58] Idem.
[59] GONÇALVES, 2012.
[60] Idem, p. 327.
[61] GONÇALVES, 2012, p. 40.
[62] GONÇALVES, 2012.
[63] GONÇALVES, 2012, p. 206.
[64] Ibidem.
[65] Ibidem.
[66] Ibidem.
[67] GONÇALVES, 2012.
[68] GONÇALVES, 2012, p. 519.
[69] GONÇALVES, 2012.
[70] RE 646721, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017.
[71] PINHEIRO, 2016, p. 79.
[72] Ibidem.
[73] Idem, pp.79/80.
[74] Idem, p. 80.
[75] Ibidem, p. 80.
[76] Idem, pp. 80/81.
[77] PINHEIRO, 2016, p. 82.
[78] Idem, 78.
[79] KANAAN apud PINHEIRO, 2016, p. 59.
[80] PINHEIRO, 2016, p. 59.
[81] PINHEIRO, 2016, p. 60.
[82] Idem.
[83] Ibidem
[84] Ibidem.
[85] Idem, p. 61.
[86] PINHEIRO, 2016.
[87] PINHEIRO, 2016, pp. 61/61.
[88] Idem, p. 62.
[89] Ibidem.
[90] Ibidem.
[91] “Tecnicamente, a Internet consiste na interligação de milhares de dispositivos do mundo inteiro, interconectados mediante protocolos (IP, abreviação de Internet Protocol). Ou seja, essa interligação é possível porque utiliza um mesmo padrão de transmissão de dados. A ligação é feita por meio de linhas telefônicas, fibra óptica, satélite, ondas de rádio ou infravermelho. A conexão do computador com a rede pode ser direta ou através de outro computador, conhecido como servidor. Este servidor pode ser próprio ou, no caso dos provedores de acesso, de terceiros. O usuário navega na Internet por meio de um browser, programa usado para visualizar páginas disponíveis na rede, que interpreta as informações do website indicado, exigindo na tela do usuário textos, sons e imagens. São browsers o MS Internet Explorer, da Microsoft, o Netscape Navigator, da Netscape, Mozilla, da The Mozilla Organization com cooperação da Netscape, entre outros” (PINHEIRO, 2016, p. 63).
[92] ADSL – Asymmetric Digital Subscriber Line – é uma tecnologia em que, por meio de uma linha de telefone, é possível transmitir dados em alta velocidade.
[93] Idem, p. 65.
[94] PINHEIRO, 2016.
[95] Idem, p. 65.
[96] Ibidem.
[97] Nas palavras de Patricia Peck, “Bitcoin é uma moeda digital criada em 2009 por Satoshi Nakamoto e que permite propriedade e transferências anônimas de valores. Consiste em um programa de código aberto para uso da moeda onde a rede é ponto a ponto (peer-to-peer)” (PINHEIRO, 2016, pp. 312/313).
[98] “O estudo do tema de domínios é novo no Direito, tendo em vista que o nascimento deste conceito está totalmente atrelado ao surgimento da própria Internet. Diferentemente do registro de marca, o registro de domínio não está dividido em categorias por ramos de atividades. O que torna a sua disputa ainda mais acirrada. Devido à relevância atual da presença na Internet para muitas empresas, o domínio passou a ser muito mais que o representante virtual do ponto comercial. O que se quer dizer é que eles determinam a visibilidade da empresa e a capacidade de ela ser localizada; quando não imprimem também valor. Apesar de o domínio se referir ao endereço virtual da empresa, este tem características distintas da concepção tradicional aplicada ao mundo físico, já que normalmente o endereço não necessariamente agrega valor a determinada empresa, da forma como o domínio o faz no mundo virtual. Isso porque uma empresa será mais facilmente localizada no emaranhado da rede quanto mais próximo o nome de seu domínio for de sua marca. Com o crescimento vertiginoso da Internet, isso se torna quase que um requisito para ser encontrado. Para o Direito Digital, o domínio na Internet não é apenas um endereço eletrônico, mas sim a união entre localização (endereço) e valor de marca (capacidade de ser lembrado – awareness). Deter o nome de uma empresa na rede é deter-lhe o valor; é deter-lhe a capacidade de ser alcançada por seu público-alvo, o que pode representar um sério problema, especialmente no caso de marcas conhecidas do público em geral” (PINHEIRO, 2016, pp. 189/190).
[99] O site Tecmundo publicou um artigo com uma lista de quinze vendas de domínios que foram comprados pelos maiores valores da história da Internet, o mais barato deles passando da casa dos milhões de dólares (GUILHERME, 2013).
[100] LACERDA, 2017, pp. 58/59.
[101] Idem.
[102] Idem, pp. 59/60.
[103] Idem, p. 61.
[104] POLI apud LACERDA, 2017, p. 62.
[105] LACERDA, 2017, p. 62.
[106] Idem, p. 63.
[107] Idem, pp. 63/64.
[108] Idem, p. 65.
[109] Idem, pp. 65/66.
[110] PERLINGIERI apud LACERDA, p. 50.
[111] Ibidem.
[112] Ibidem.
[113] Ibidem.
[114] Ibidem.
[115] LACERDA, 2017, p. 51.
[116] Ibidem.
[117] Ibidem.
[118] Ibidem.
[119] Idem, p. 52.
[120] LACERDA, 2017, p. 68.
[121] Idem, p. 69.
[122] Ibidem.
[123] Ibidem.
[124] LACERDA, 2017.
[125] LACERDA, 2017, p. 74.
[126] Idem.
[127] Idem, p. 76.
[128] Idem, pp. 111/112.
[129] Idem, p. 112.
[130] Ibidem.
[131] Idem.
[132] Idem, p.124
[133] SÁ; NAVES, 2015, apud LACERDA, 2017, p. 128.
[134] LACERDA, 2017, p. 128.
[135] SÁ, NAVES, 2015, apud LACERDA, 2017, p. 128.
[136] LACERDA, 2017, p. 139.
[137] LACERDA, 2017.
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