EMENTA:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. 1. FRAUDE NO ABASTECIMENTO DE VEÍCULOS. PECULATO CONTRA A PREFEITURA DE POCONÉ/MT. BUSCA E APREENSÃO NA SEDE DA AGRAVANTE. SOCIEDADE EMPRESÁRIA QUE PRESTA SERVIÇOS DE SOLUÇÕES ELETRÔNICAS INTEGRADAS PARA AUTOGESTÃO DE FROTAS. 2. PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO. DECISÃO QUE DEFERE A MEDIDA. INDÍCIO DE PARTICIPAÇÃO DA AGRAVANTE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO. 3. APREENSÃO QUE REVELA VERDADEIRO FISHING EXPEDITION. MANIFESTA ILEGALIDADE. 4. INFORMAÇÕES CONSTANTES DA PREFEITURA DE POCONÉ. RECURSOS PÚBLICOS. AUSÊNCIA DE SIGILO. MS 33.340/STF. POSSIBILIDADE DE ACESSO SEM OFENSA A DIREITOS CONSTITUCIONAIS DA AGRAVANTE. 5. PEDIDO DE INFORMAÇÕES À RECORRENTE. INFORMAÇÕES NÃO PRESTADAS A CONTENTO. SITUAÇÃO QUE A TRANSFORMOU EM INVESTIGADA. ILEGALIDADE. 6. LIMITES DA BUSCA E APREENSÃO. CÓPIAS QUE DESBORDAM, EM MUITO, DO OBJETO DO IP. DESPROPORCIONALIDADE. 7. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. EXISTÊNCIA MANIFESTA. CABIMENTO EXCEPCIONAL DO MANDAMUS. 8. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO, PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. 1. Constata-se, em um primeiro momento, que a investigação que ensejou a busca e apreensão na pessoa jurídica agravante – a qual “fornece serviços de soluções eletrônicas integradas para a autogestão de benefícios (alimentação e refeição) e de frotas (abastecimento e manutenção), entre outros” – não lhe dizia respeito, referindo-se apenas à investigação de crimes de organização criminosa, com participação de funcionário público, e de peculato contra a Prefeitura Municipal de Poconé/MT. 2. De uma leitura atenta do pedido e da decisão que deferiu a medida de busca e apreensão na sede da agravante, constata-se, sem grande esforço, que não foi indicado sobre a T. A. LTDA. nenhum indício de participação nos delitos narrados. A própria autoridade policial afirmou que “somente após a análise dos e-mails poderá se verificar se houve conluio fraudulento e prévio entre a Recorrente e os servidores público da Prefeitura de Poconé, a fim de fraudar a apropriar de dinheiro público”. 3. Os indícios de autoria antecedem as medidas invasivas, não se admitindo em um Estado Democrático de Direito que primeiro sejam violadas as garantias constitucionais para só então, em um segundo momento, e eventualmente, se justificar a medida anterior, sob pena de se legitimar verdadeira fishing expedition, conhecida como pescaria probatória, ou seja, “a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem ‘causa provável’, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém”. . Acesso em 1º/12/2021. 4. Chama a atenção também a informação constante da decisão que deferiu a busca e apreensão, no sentido de que “as investigações concluíram que os documentos podem ser encontrados em dois locais diferentes, razão pela qual se faz necessária a medida de busca e apreensão em todos os endereços indicados e de forma simultânea”. Ora, se os documentos podem ser encontrados no Poder Executivo Municipal de Poconé, vítima do peculato sob investigação, não há porque se violar direito constitucional da agravante, que não figura nem como vítima nem como autora dos delitos sob investigação, sem que se tenham declinados quaisquer elementos que autorizem a violação de seus direitos constitucionais. – Relevante anotar, outrossim, que o Poder Executivo Municipal não poderia sequer se recusar a entregar os documentos solicitados, uma vez que o Supremo Tribunal Federal sedimentou o entendimento no sentido de que “o sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos”. (MS 33340, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015). 5. Consta também das informações que, “quando da instauração da Portaria, a Recorrente não constava como investigada. Todavia, em virtude da omissão da Recorrente em não fornecer os dados necessários a apuração dos fatos, esta se tornou investigada”. Constata-se, entretanto, que foram sim prestadas as informações requeridas à agravante, as quais auxiliaram, inclusive, no cotejo a respeito das fraudes efetivamente constadas. Contudo, ao que parece, não foram prestadas todas as informações solicitadas, situação que, por óbvio, não tem o condão de transformar a agravante em investigada e muito menos de autorizar medida invasiva de busca e apreensão. 6. Embora a decisão de busca e apreensão tenha, efetivamente, delimitado o objeto da medida, foram copiadas informações da recorrente que desbordam, em muito, do objeto do inquérito policial, uma vez que foi copiado integralmente seu banco de dados, com informações de todos seus clientes e operações nos últimos 15 (quinze) anos, medida que se revela manifestamente desproporcional. 7. Por qualquer viés que se examine os presentes autos, constata-se a existência de direito líquido e certo, apto a autorizar, de forma excepcional, a impetração de mandado de segurança contra decisão judicial, com o objetivo de impedir lesão a direitos constitucionais, consistentes na preservação dos dados da atuação empresarial da agravante, haja vista a ausência de imputação de crime. – Constatando-se que a agravante foi incluída como investigada sem que lhe fosse imputada qualquer conduta criminosa; que apresentou a documentação solicitada, a qual efetivamente auxiliou a investigação, ainda que de forma insuficiente; e que a busca e apreensão foi realizada, com cópia, em sua integralidade, da caixa de e-mail e dos dados financeiros, em patente desproporcionalidade; tem-se manifesta a ilegalidade da medida. 8. Agravo regimental a que se dá provimento e, por conseguinte, ao recurso em mandado de segurança, concedendo a segurança para que seja destruído todo o material apreendido. (AgRg no RMS 62.562/MT, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Rel. p/ Acórdão Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021)
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